Por Dalyson Morais e Celso Locatel
A globalização da
economia que incorporou mais intensamente os espaços dos países
subdesenvolvidos, a partir da década de 1970, provocou uma reestruturação
produtiva e uma redefinição da agropecuária brasileira, no que tange às áreas
ocupadas e uso do solo, segmentos produtivos, técnicas e relações de produção e
inserção no mercado. A introdução nos espaços dos países subdesenvolvidos de
técnica, ciência e informação concomitantemente com o avanço das comunicações e
dos transportes, produziram uma especialização produtiva nos lugares
intensificando as trocas e as relações entre regiões, não necessariamente
contiguas.
Essa especialização
dos lugares contribuiu para a segmentação das instâncias produtivas,
produção-distribuição-troca-consumo. Essa fragmentação, ou melhor, esse
alargamento da área produtiva, explicada pelo distanciamento entre a arena de
produção, ou seja, a área produtiva propriamente dita e os lugares de destino
do produto, tornou a circulação um imperativo para a acumulação capitalista. Esse
novo segmento da produção, novo devido a sua atual importância no processo
produtivo e de consumo como um todo, colocou em posição de desvantagem aqueles
agentes que desprovidos de condições de por sua produção em circulação
imediata, ver seu produto desvalorizar-se.
A circulação dos
principais produtos agropecuários brasileiros é controlada e monopolizada pelos
grandes agentes do capital agroindustrial nacional e internacional. Porém, isso
não exclui os pequenos produtores da participação de alguns dos circuitos
espaciais produtivos agropecuários do Brasil, com destaque para o fumo, no Sul
do país; da laranja, da batata e do tomate no estado de São Paulo; do camarão
no Nordeste, da avicultura, entre outros. Entretanto, a atuação da pequena
produção familiar no circuito produtivo se restringe a fase da produção
propriamente dita, haja vista o seu baixo poder de movimento da produção e de
influência na formação dos preços agrícolas, diante dos agentes hegemônicos.
O baixo nível de
capitalização e o seu agravamento pela restrição de algumas políticas de
crédito, que não chegam aos pequenos produtores por um conjunto de fatores,
colocam a produção familiar em uma situação de total vulnerabilidade aos
ditames do capital hegemônico.
Dessa maneira, o
pequeno produtor recorre a mecanismos financeiros colocados a disposição,
sobretudo, pelas agroindústrias, que em contrapartida, fecham contratos de
compra direta da produção a preços abaixo do mercado. Além disso, essas
empresas hegemônicas fornecem equipamentos, insumos e, consequentemente, impõem
parâmetros de produção exercendo o controle técnico da produção. Isso reduz os
gastos das agroindústrias e provoca o aumento do volume produzido nesses
circuitos espaciais de produção, através da integração dos pequenos
empreendimentos agropecuários, que na análise de alguns circuitos passam por
despercebido. Essa forma de atuar das empresas transforma essas práticas em
instrumentos de monopolização do território, a partir do controle exercido
sobre a circulação das mercadorias agrícolas.
Além
desses mecanismos de sujeição, outros são reproduzidos no território brasileiro
através da relação entre agentes hegemônicos e agentes sujeitados. No caso da
carcinicultura no Rio Grande do Norte, por exemplo, ocorre com grande
frequência a sujeição dos pequenos produtores que possuem até no máximo 10
hectares de terras. Por não ter condições financeiras de manter o camarão no
viveiro até fechar um contrato satisfatório, pois a permanência do camarão na
fase de engorda requer maior gasto com probióticos, ração, energia e outros
insumos. Além disso, por não disponibilizar de um sistema de armazenagem do
camarão após a despesca, o pequeno produtor fica a depender do atravessador,
supermercados e restaurantes que, diante dessa condição de fragilidade desses
produtores, são definidores do preço pago por essa mercadoria.
Boa
parte dos contratos fechados dos pequenos produtores com os seus clientes são
efetuados ou no início da produção (venda antecipada), ou então, já nos últimos
dias que antecedem a despesca ou, até mesmo, no momento da despesca. Isso reduz
significativamente o preço do camarão, comprometendo o rendimento do pequeno
produtor. Na maioria das vezes, a produção não gera nenhuma renda, colocando o
pequeno produtor na condição de apenas subsistir no circuito. Por outro lado,
essa produção, ao ser inserida na instância da circulação à baixos preços
possibilita a ampliação do lucro das empresas hegemônicas.
Esse
e outros possíveis exemplos que elucidam os mecanismos de sujeição do pequeno
produtor desvendam a drenagem de grande parte da renda agropecuária para
setores fora da agricultura.
Sendo assim, é
necessário que as políticas públicas direcionadas ao pequeno produtor leve em
consideração o imperativo da circulação no atual momento da agropecuária, dotando
os pequenos produtores das condições necessárias para que eles mesmos possam
inserir suas mercadorias no mercado e assim, negociar melhor o valor do seu
produto. Nessas políticas deve ser considerada a baixa capacidade de estocagem
e comercialização do pequeno produtor, sendo uma possível solução a
descentralização das estruturas de armazenagem e comercialização nas principais
regiões produtoras de produtos agropecuários, assim como vem sendo feito em São
Paulo com as CEAGESPs regionais; o acesso ao crédito; e o estabelecimento do
preço mínimo para o produto.
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Dalyson Morais é mestrando no Programa de Pós Graduação em Geografia da UFRN.
Celso Locatel é professor adjunto do Departamento de Geografia da UFRN.
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