quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A necessidade da circulação e a sujeição da produção familiar nos circuitos espaciais de produção

Por Dalyson Morais e Celso Locatel

A globalização da economia que incorporou mais intensamente os espaços dos países subdesenvolvidos, a partir da década de 1970, provocou uma reestruturação produtiva e uma redefinição da agropecuária brasileira, no que tange às áreas ocupadas e uso do solo, segmentos produtivos, técnicas e relações de produção e inserção no mercado. A introdução nos espaços dos países subdesenvolvidos de técnica, ciência e informação concomitantemente com o avanço das comunicações e dos transportes, produziram uma especialização produtiva nos lugares intensificando as trocas e as relações entre regiões, não necessariamente contiguas. 

Essa especialização dos lugares contribuiu para a segmentação das instâncias produtivas, produção-distribuição-troca-consumo. Essa fragmentação, ou melhor, esse alargamento da área produtiva, explicada pelo distanciamento entre a arena de produção, ou seja, a área produtiva propriamente dita e os lugares de destino do produto, tornou a circulação um imperativo para a acumulação capitalista. Esse novo segmento da produção, novo devido a sua atual importância no processo produtivo e de consumo como um todo, colocou em posição de desvantagem aqueles agentes que desprovidos de condições de por sua produção em circulação imediata, ver seu produto desvalorizar-se.

A circulação dos principais produtos agropecuários brasileiros é controlada e monopolizada pelos grandes agentes do capital agroindustrial nacional e internacional. Porém, isso não exclui os pequenos produtores da participação de alguns dos circuitos espaciais produtivos agropecuários do Brasil, com destaque para o fumo, no Sul do país; da laranja, da batata e do tomate no estado de São Paulo; do camarão no Nordeste, da avicultura, entre outros. Entretanto, a atuação da pequena produção familiar no circuito produtivo se restringe a fase da produção propriamente dita, haja vista o seu baixo poder de movimento da produção e de influência na formação dos preços agrícolas, diante dos agentes hegemônicos.

O baixo nível de capitalização e o seu agravamento pela restrição de algumas políticas de crédito, que não chegam aos pequenos produtores por um conjunto de fatores, colocam a produção familiar em uma situação de total vulnerabilidade aos ditames do capital hegemônico.

Dessa maneira, o pequeno produtor recorre a mecanismos financeiros colocados a disposição, sobretudo, pelas agroindústrias, que em contrapartida, fecham contratos de compra direta da produção a preços abaixo do mercado. Além disso, essas empresas hegemônicas fornecem equipamentos, insumos e, consequentemente, impõem parâmetros de produção exercendo o controle técnico da produção. Isso reduz os gastos das agroindústrias e provoca o aumento do volume produzido nesses circuitos espaciais de produção, através da integração dos pequenos empreendimentos agropecuários, que na análise de alguns circuitos passam por despercebido. Essa forma de atuar das empresas transforma essas práticas em instrumentos de monopolização do território, a partir do controle exercido sobre a circulação das mercadorias agrícolas.

Além desses mecanismos de sujeição, outros são reproduzidos no território brasileiro através da relação entre agentes hegemônicos e agentes sujeitados. No caso da carcinicultura no Rio Grande do Norte, por exemplo, ocorre com grande frequência a sujeição dos pequenos produtores que possuem até no máximo 10 hectares de terras. Por não ter condições financeiras de manter o camarão no viveiro até fechar um contrato satisfatório, pois a permanência do camarão na fase de engorda requer maior gasto com probióticos, ração, energia e outros insumos. Além disso, por não disponibilizar de um sistema de armazenagem do camarão após a despesca, o pequeno produtor fica a depender do atravessador, supermercados e restaurantes que, diante dessa condição de fragilidade desses produtores, são definidores do preço pago por essa mercadoria.

Boa parte dos contratos fechados dos pequenos produtores com os seus clientes são efetuados ou no início da produção (venda antecipada), ou então, já nos últimos dias que antecedem a despesca ou, até mesmo, no momento da despesca. Isso reduz significativamente o preço do camarão, comprometendo o rendimento do pequeno produtor. Na maioria das vezes, a produção não gera nenhuma renda, colocando o pequeno produtor na condição de apenas subsistir no circuito. Por outro lado, essa produção, ao ser inserida na instância da circulação à baixos preços possibilita a ampliação do lucro das empresas hegemônicas.

Esse e outros possíveis exemplos que elucidam os mecanismos de sujeição do pequeno produtor desvendam a drenagem de grande parte da renda agropecuária para setores fora da agricultura.

Sendo assim, é necessário que as políticas públicas direcionadas ao pequeno produtor leve em consideração o imperativo da circulação no atual momento da agropecuária, dotando os pequenos produtores das condições necessárias para que eles mesmos possam inserir suas mercadorias no mercado e assim, negociar melhor o valor do seu produto. Nessas políticas deve ser considerada a baixa capacidade de estocagem e comercialização do pequeno produtor, sendo uma possível solução a descentralização das estruturas de armazenagem e comercialização nas principais regiões produtoras de produtos agropecuários, assim como vem sendo feito em São Paulo com as CEAGESPs regionais; o acesso ao crédito; e o estabelecimento do preço mínimo para o produto.

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Dalyson Morais é mestrando no Programa de Pós Graduação em Geografia da UFRN.
Celso Locatel é professor adjunto do Departamento de Geografia da UFRN.