quarta-feira, 29 de agosto de 2012

A AGROPECUÁRIA CIENTÍFICA E A FORMAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL (1995 a 2010)

Por Dalyson Luiz Araújo de Morais

A partir da década de 1970, o espaço agrícola brasileiro passou por um processo de reestruturação do seu sistema produtivo. As principais características dessa reestruturação estão diretamente relacionadas à introdução de inovações técnicas e organizacionais que possibilitam um novo uso do tempo e do solo. No tocante às inovações técnicas, destacamos o emprego de máquinas, insumos químicos e biotecnológicos produzidos e fornecidos pelas indústrias a montante da produção agropecuária. Já as inovações organizacionais, congregam os novos agentes e setores envolvidos com a agropecuária científica e o processo de integração na busca por uma maior racionalidade dos espaços agrícolas modernos. Além disso, o desenvolvimento científico, produto de uma vigorosa pesquisa tecnológica, juntamente com o aumento significativo da formação de profissionais cada vez mais especializados, constitui-se também, imperativos da atual agricultura científica do Brasil.

Dessa maneira, o aumento significativo da oferta de cursos e programas de graduação em universidades públicas e privadas no Brasil, como se poderá averiguar mais adiante, evidencia o componente científico da reestruturação produtiva da agropecuária brasileira no atual período. 

Os dados fornecidos pelo MEC por meio da Sinopse da Educação Superior de 1995 a 2010 nos revelam, dentre outras constatações, o crescimento tanto da oferta como da demanda de cursos e programas de graduação que se remetem ao conhecimento direto das necessidades da agropecuária científica. Aqui iremos analisar a oferta e a demanda da grande área de conhecimento de Ciências Agrárias que a partir do ano de 2000, passou a ser denominada de Agricultura e Veterinária. Os cursos que compõem essas áreas de conhecimento seguem no Quadro 01.

No ano de 1995 foram oferecidos em universidades públicas (federal e estadual) e privadas 194 cursos e programas referentes a grande área do conhecimento de Ciências Agrárias, neste mesmo ano concluíram 5.780 alunos e foram matriculados 47.785. No ano de 1999, último ano em que a grande área do conhecimento de Ciências Agrárias ainda recebia essa denominação, foram ofertados no Brasil 285 cursos e programas, concluíram 6.336 e foram matriculados 62.640 alunos. Houve assim um crescimento de 46,90% de cursos ofertados na rede pública e privada, aumento de 9,71% dos concluintes e 31,08% de matriculados.

Para elucidar a maneira como se dá no território brasileiro a distribuição da oferta de cursos e da formação de profissionais direcionados a agropecuária científica, lançamos mão da cartografia com base nas três variáveis (número de curso superior ofertado, quantidade de concluintes no ano e o número de matrículas realizadas) na grande área de Ciências Agrárias. Sendo assim, os Mapas temáticos a, b, c e d, nos possibilitam entender a distribuição da educação superior voltada para a agropecuária científica no último ano em que a Sinopse da Educação Superior disponibilizou a quantidade de cursos, matriculas e concluintes por estados da federação.

Entre os anos de 2000 e 2010, período em que essa área do conhecimento passa a ser denominada de Agricultura e Veterinária e tem seu currículo reorganizado, novos acréscimos nessas três variáveis podem ser observados. Se no ano de 2000 a rede de ensino superior disponibilizou 288 cursos e programas, concluíram 6.775 alunos e foram matriculados 63.260, no ano de 2010 já existiam 790 cursos e programas de graduação, concluíram 18.094 alunos e foram matriculados 142.882 alunos. Dessa maneira, podemos perceber que houve um acréscimo de 174,30% na oferta de cursos e programas, 167,07% nos concluintes e 125,86% de alunos matriculados.

Os números são ainda mais significativos quando comparados os anos de 1995 e 2010. Destarte, podemos averiguar um acréscimo de 307,21%, 213,04% e 199,01% de cursos ofertados, de concluintes e matriculados respectivamente, nos cursos e programas que compreendem a antiga grande área do conhecimento de Ciências Agrárias e a atual Agricultura e Veterinária, presente em universidades públicas e privadas do Brasil.

Essa breve análise do comportamento da oferta e da demanda por cursos e programas de graduação na área do conhecimento voltado para as atividades que compõem o setor agropecuário brasileiro evidencia, ainda que de maneira singela, a importância do conhecimento científico para o funcionamento dessa atual fase da agropecuária moderna brasileira.

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Quadro 01 – Grande área do conhecimento e cursos diretamente voltados para a agropecuária
Ciências Agrárias (1995 – 1999)
Agricultura e Veterinária (2000 – 2010)
Agronomia; Ciências Agrárias; Engenharia Agrícola; Engenharia da Horticultura; Engenharia de Alimentos; Engenharia de Aquicultura; Engenharia de Pesca; Engenharia Florestal; Horticultura; Indústria da Madeira; Irrigação e Drenagem; Laticínios; Medicina Veterinária; Química dos Alimentos; Tecnologia Agroindustrial; Tecnologia Agronômica; Tecnologia de Alimentos; Zootecnia.
Engenharia florestal; Silvicultura; Horticultura; Agroecologia; Agroindústria; Agronomia; Agropecuária; Engenharia agrícola; Manejo da produção agrícola; Manejo da produção animal; Tecnologia em agronegócio; Tecnologia em cafeicultura; Tecnologia em produção de grãos; Técnicas de irrigação e drenagem; Zootecnia; Aqüicultura; Engenharia de pesca; Tecnologia da produção pesqueira; Medicina veterinária.
Fonte: MEC – Sinopse da educação superior 1995 – 2010.






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Dalyson Luiz é mestrando do Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte.


quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A GESTÃO DAS REDES DE COMUNICAÇÃO POR INTERNET NO TERRITÓRIO POTIGUAR:

 mapas temáticos da distribuição segundo a origem, a quantidade e a densidade de atuação das prestadoras de serviços nos municípios riograndenses


Por  Ludmila Girard

A formação territorial brasileira é marcada por desafios quanto ao conhecimento do meio geográfico e do uso do vasto e heterogêneo território, notadamente no período atual, em que novos conteúdos de técnica, ciência e informação são implantados como elementos condicionantes da organização da produção nos moldes do capitalismo contemporâneo. Estes desafios são postos no exame das redes de comunicação no território, notadamente as digitais, via internet, uma vez que é notável seu papel de elo e meio de comando das atividades econômicas externamente localizadas aos lugares, sendo portanto pertinente analisá-las sob sua “função na gestão territorial”, pois participam na concentração das sedes das corporações “onde se dá a gestão do processo de criação do valor e criação, circulação e apropriação da mais-valia em amplo espaço geográfico” (CORRÊA, 1996:68). As redes de comunicação são recursos do território, criadoras de “meios híbridos de produção, circulação e inovação”, uma vez que é “meio inovador”, isto é, fonte de vantagens competitivas territorialmente construídas (PIRES DO RIO, 2012:171-179). As redes de comunicação por internet integram digitalmente o território, sendo fundamento geográfico do controle das atividades e dos circuitos produtivos nacionais, mas também da desigualdade social brasileira, uma vez que não só responde à unificação dos mercados regionais, mas também na manutenção da soberania em todas as porções do território (CASTILLO, 1999).

Partindo de um enfoque teórico-metodológico sobre a gestão territorial, foram coletados dados da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL, 2011a) que apontam a origem (localização da sede) e a distribuição das prestadoras de serviços de acesso à internet no território potiguar. Estes dados são indicadores de exploração e fruição de Serviços de Comunicação Multimídia (SCM) [1] por empresas prestadoras de serviços de telecomunicações autorizadas pela Anatel a atuar, no regime privado, nos municípios brasileiros. Os dados são atualizados mensalmente e disponibilizados online pelo Sistema de Coleta de Informações (SICI), que é alimentado pelas próprias prestadoras. Os dados coletados se referem ao mês de outubro de 2011 e foram organizados em planilhas com referente da variável espacial contida nos dados, ou seja, em qual(is) município(s) do Rio Grande do Norte atua(m) qual(is) prestadora(s), tendo como objetivo desta sistematização a produção cartográfica por meio do software livre “Philcarto”, que associa uma base cartográfica a uma base estatística de dados.

Para a construção dos mapas da figura 1, foram organizadas variáveis que pudessem trazer subsídios à análise da gestão da internet no território potiguar e que pudessem ser representadas sobre a base cartográfica, considerando métodos de mapeamento temático (ACHELA e THÉRY, 2008). As variáveis se referem: (1) à origem das prestadoras, classificadas e agrupadas segundo a localização da sede; (2) à distribuição da prestação de serviços, segundo a quantidade de prestadoras por município; (3) à densidade da atuação, segundo a relação entre o total de serviços prestados e o total de municípios atendidos por grupo de prestadoras.

Foram identificadas um total de 35 prestadoras de serviços de internet no Rio Grande do Norte, provenientes de 17 municípios brasileiros, 9 Estados e 4 Regiões [2]. Elas foram agrupadas pela origem da sede, levando em consideração as macrorregiões brasileiras, mas também a possibilidade de comparação da distribuição entre as escalas de origem das prestadoras (local, regional, nacional): (1.1) Prestadoras do Estado de São Paulo; (1.2) Prestadoras do Estado do Rio de Janeiro; (1.3) Prestadoras do Distrito Federal; (1.4) Prestadoras das Regiões Sul e Sudeste (exceto SP e RJ); (1.5) Prestadoras do Rio Grande do Norte (exceto Natal); (1.6) Prestadoras do município de Natal; (1.7) Prestadoras da Região Nordeste (exceto RN). Este agrupamento também considerou a quantidade de prestadora por origem: São Paulo é o Estado com mais prestadoras atuando no território potiguar (12), seguido do Rio de Janeiro (6), do município de Natal (5), e com mesmo número o Rio Grande do Norte (3), o Distrito Federal (3), Região Sul-Sudeste (3) e Região Nordeste (3).

Optou-se então em espacializar a presença e quantidade de cada grupo de prestadora por município no Philcarto, pela utilização de círculos proporcionais no modo de implantação zonal, para gerar mapas sujeitos de comparação, mas não somente da distribuição dos grupos de prestadoras de serviços, mas da densidade de prestação de serviços nos municípios. Assim, na coleção de mapas da figura 1, a densidade de atuação dos grupos de prestadoras foram ordenados pela variável visual valor, pela utilização do “dégradé”, isto é, seqüência de tons contínuos. Para o cálculo da densidade da atuação, observou-se a quantidade de prestação de serviços por grupo de prestadoras e a quantidade de municípios que cada grupo atua, relacionando essas variáveis com o propósito de identificar a concentração ou a dispersão dos serviços prestados.

O Rio de Janeiro é o estado com mais prestação de serviços (198), seguido por São Paulo (192), Distrito Federal (152), Rio Grande do Norte (26), Natal (18), Região Sul-Sudeste (8) e Região Nordeste (2). O Rio de Janeiro é também quem atua em mais municípios (159), seguido do Distrito Federal (150), São Paulo (130), Rio Grande do Norte (25), Natal (11), Região Sul-Sudeste (8) e Região Nordeste (3). A partir dessas informações, calculou-se a densidade de atuação, que apresentou alta concentração de atuação das prestadoras, respectivamente, com sede em Natal (1,60) e São Paulo (1,47), média concentração das prestadoras com sede no Rio de Janeiro (1,24), enquanto que as prestadoras do Distrito Federal (1,01) têm sua atuação mais dispersa, assim como aquelas do Rio Grande do Norte, Regiões Sul, Sudeste e Nordeste (1,00).

Conforme se observa na coleção de mapas da figura 1, entre as prestadoras de São Paulo, é notável a concentração de operadoras em três municípios: Natal, Mossoró e Santa Maria, este último ainda mais notável devido a sua baixa densidade demográfica e importância econômica no Rio Grande do Norte. Além de São Paulo, este município ainda conta com a atuação de uma operadora do Rio de Janeiro e uma proveniente da Região Sul, precisamente do município de São Gabriel, no Rio Grande do Sul, que só possui um único cliente em todo o território potiguar, localizado em Santa Maria. Este caso ilustra a dispersão observadas nos mapas das prestadoras das Regiões Sul, Sudeste e também do Nordeste, que têm atuação insignificante no território, pois atuam localmente. No que tange a atuação das operadoras locais, com sede em Natal e no Rio Grande do Norte, se nota que as operadoras natalenses concentram-se na faixa litorânea, enquanto que aquelas riograndenses espalham-se pelo interior, nas regiões do Seridó potiguar e do município de Mossoró. Notável é, no entanto, a baixa densidade de prestação de serviços de internet no nordeste do estado que, comparado ao mapa rodoviário, observa-se também a falta de rodovias nessa área do estado, onde está o município de Caiçara do Norte, o único a não ter presença de nenhuma operadora de serviços de internet.

É importante frisar que são apenas algumas prestadoras representativas na quantidade de prestação de serviços. Do Rio de Janeiro, somente a prestadora “Telemar Norte S.A.” (que utiliza a marca Oi) está presente em 158 municípios e, do Distrito Federal, somente a prestadora “Empresa Brasileira De Telecomunicações S. A.” está presente em 149 municípios. De São Paulo, a densidade significativa de serviços prestados é dividida entre a prestadora “BT Brasil Serviços De Telecomunicações Ltda.”, presente em 92 municípios, e a “Primesys Soluções Empresariais S.A.”, em 76. No Rio Grande do Norte, são notáveis em distribuição a “Star Conect Telecom Ltda”, de Currais Novos, presente em 9 municípios, e a “M4 Net Acesso Rede De Comunicação Ltda Me”, de Santa Cruz, em mesma quantidade, seguidas da prestadora “Mach4 Telecomunicações Comercio E Serviços Ltda Me”, de Natal, presente em 7 municípios, a prestadora mais distribuída da capital potiguar.

Segundo dados de competição no Rio Grande do Norte, a Oi (Telemar Norte S.A.), do Rio de Janeiro, é quem detêm maior fatia do mercado de telecomunicações, com mais de 52% dos acessos à internet, sendo sua principal concorrente a empresa “Cabo Serviços De Telecomunicações Ltda”, com sede em Natal, que possui pouco mais de 37% do mercado, e é a única prestadora a oferecer serviços de internet pela tecnologia de acesso “Cable Modem” (ANATEL, 2011b). A prestadora Cabo iniciou suas operações com banda larga em agosto de 2001, um ano antes da chegada da Oi em Natal, sendo estas duas prestadoras o referencial de banda larga no município, e a Oi no resto do estado junto com a Embratel. Estas duas prestadoras são as detentoras de backbone no estado do Rio Grande do Norte, ou seja, elas possuem a infraestrutura necessária para ampliar a capilaridade da rede no território potiguar e comercializam pontos (links) da sua rede para outras prestadoras que desejam atuar no mercado de banda larga.

Os tipos de tecnologias de acesso de cada grupo de prestadora presente no Rio Grande do Norte são essenciais na perspectiva de se retirar conclusões mais sólidas quanto a gestão das redes de comunicação no território potiguar. Portanto, em continuidade à presente análise, serão apresentados, num próximo artigo, mapas da distribuição das tecnologias nos municípios por grupos de prestadora, considerando a mesma classificação, por origem. O tipo de tecnologia oferecido por cada grupo de prestadora é determinante na formulação de um parâmetro de análise da gestão do território, uma vez que cada tecnologia de acesso possui características próprias, que auxiliam a revelar o nível de distribuição e a capilaridade da internet no território, ao serem confrontados dados por meio da produção de mapas comparáveis.



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[1] A Anatel define Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) como o conjunto de serviços fixos de telecomunicações de interesse coletivo, prestado em âmbito nacional e internacional no regime privado, que possibilita a oferta de capacidade de transmissão, emissão e recepção de informações multimídia (dados, voz e imagem), utilizando quaisquer meios, a assinantes dentro de uma área de prestação de serviço.
[2] Região Nordeste: Rio Grande do Norte (Natal, Mossoró, Santa Cruz, Currais Novos), Paraíba (São João do Rio do Peixe, Sumé) e Bahia (Castro Alves); Região Sul: Paraná (Pinhais) e Rio Grande do Sul (São Gabriel); Região SudesteSão Paulo (São Paulo, São José do Rio Preto, Cotia, Campinas), Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, Angra dos Reis): e Minas Gerais (Belo Horizonte); Região Centro-OesteDistrito Federal (Brasília).

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 Ludmila Girardi é mestranda em geografia humana FFLCH-USP 


Bibliografia 
ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações). Relatório de Autorizadas Presentes nos Municípios. Sistema de Coleta de Informações (SICI), 2011a. Disponível em: http://sistemas.anatel.gov.br/sici/. Acesso em 03 de setembro de 2011. 
ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações). Participação de Mercado de Acessos UF considerando grupo econômico. Anatel Dados: Competição, 2011b. Disponível em: http://www.anatel.gov.br. Acesso em 15 de novembro de 2011. 
ARCHELA, ROSELY S.; THÉRY, Hervé. Orientação metodológica para construção e leitura de mapas temáticos. Confins Revues, nº 3, 2008. Disponível em: http://confins.revues.org/3483?&id=3483#tocto1n1]. Acesso em 25 setembro de 2010. 
CASTILLO, Ricardo. Sistemas orbitais e uso do território. Integração eletrônica e conhecimento digital do território brasileiro. Tese de Doutorado. São Paulo: Departamento de Geografia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1999. 
CORRÊA, Roberto Lobato. Metrópoles, corporações e espaço: uma introdução ao caso brasileiro. In: CASTRO, Iná Elias; GOMES, Paulo César da Costa; CORRÊA, Roberto Lobato. Brasil: Questões atuais da reorganização do território. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996. 
PIRES DO RIO, Gisela Aquino. A espacialidade da economia: Superfícies, fluxos e redes. In: CASTRO, Iná Elias; GOMES, Paulo Cesar da Costa; CORRÊA, Roberto Lobato. Olhares geográficos: modos de ver e viver o espaço. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.
SANTOS, Milton e SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil. Território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001.












quarta-feira, 15 de agosto de 2012

O ARQUIVO DE MILTON SANTOS E A INTERDISCIPLINARIDADE


Por Jaime Oliva

Desde o mês de abril de 2012 o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo tem a honra de abrigar o arquivo pessoal de Milton Santos.  Antes, sua biblioteca já havia sido tombada no IEB. O arquivo foi doado a essa instituição pela sua esposa Marie-Hélène Tiercelin dos Santos. Agora ele deverá ser processado: inventariado, classificado e organizado para ser colocado à disposição da pesquisa pública. No IEB ele ajudará a compor um acervo valioso, que já conta com os fundos de autores e artistas como Mário de Andrade, Camargo Guarnieri,  Tarsila do Amaral, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Caio Prado Jr., Pierre Monbeig e vários outros.

Examinando superficialmente as caixas que compõem o arquivo algo, entre tantas coisas, me chamou atenção: algumas caixas com títulos que não lembram imediatamente temas clássicos da geografia (como técnica, tempo, formação econômica e modo de produção) e uma caixa denominada interdisciplinaridade. Isso que parece trivial na verdade não é, visto que a geografia no século XX desenvolveu-se (no Brasil inclusive) dentro de certo isolamento intelectual e institucional. E aqui vale lembrar um aspecto da trajetória e da obra de Milton Santos: ele foi um precursor e, de fato, um renovador da geografia. Não apenas no plano nacional, mas no plano internacional, como se sabe. E não há como caracterizar e discutir o teor e o significado dessa renovação sem referências às relações interdisciplinares que seu pensamento supunha e que sua obra testemunha. Relações interdisciplinares que não foram somente matéria-prima para a nova geografia, mas também ofereceram novos aportes da geografia para o conjunto das ciências humanas, e também, por que não, para a ordem cultural em geral. 

Para ilustrar o que significou a obra de Milton Santos para a geografia, mas propriamente para a imagem que a geografia possuía (e ainda em boa medida possui) há uma ocorrência bastante interessante (diria que até mesmo saborosa) que eu presenciei e, cujo registro não mais encontrei. Talvez, em seu arquivo esse registro esteja presente. 

Trata-se do verdadeiro estranhamento surgido entre o filósofo José Arthur Giannotti e Milton Santos, num debate público na FFLCH cujo tema versava sobre a abertura do Brasil à chamada globalização, isso por ocasião do primeiro mandato presidencial de Fernando Henrique Cardoso. Após a intervenção de Milton Santos, marcada por um forte tom crítico, o filósofo Giannotti tomou a palavra e, surpreendentemente, manifestou seu estranhamento quanto à fala de Milton Santos dizendo mais ou menos  seguinte:  que ele não esperava uma intervenção daquele estilo – ele esperava que um geógrafo se referisse a outras coisas “típicas de um geógrafo” - coisas mais concretas e menos interpretativas, localizações, fluxos geográficos de volumes estatísticos, por exemplo. 

Afinal, Milton Santos falava de globalização perversa, de dominâncias tecnológicas que contrabandeavam  ideologias de subordinação e coisas do gênero. Mobilizava para tal alguns autores estranhos na fala de um geógrafo: Jean-Paul Sartre, J. Habermas, Georg Simmel, Lucien Goldman, Max Weber, Abraham Moles, Jacques Ellul e outros.

Milton Santos ficou muito ofendido, quase levou para o lado pessoal. Atacou dizendo que Giannotti não queria a crítica... mas, de minha parte penso não era para tanto. Meu entendimento era a de que Giannotti tinha razão de estranhar, afinal Milton Santos não era compatível com a imagem corrente da geografia e de um geógrafo. Ele cultivava um hábito incomum entre os geógrafos de sua geração (empiricistas radicais, algo simbolizado pelo “conhecimento direto do terreno”) que era o da leitura de filosofia e ciências sociais. Por isso, ele era um dos poucos que tinha a capacidade de investir em sistemas teóricos coerentes, como de fato o fez. Na verdade, ele representava uma nova imagem, a imagem da renovação e, sua postura causava estranhamento, antes de tudo, na própria “comunidade geográfica”, comunidade essa, até hoje excessivamente comunitária. E o que compunha essa nova imagem: um geógrafo que tinha no discurso teórico a marca principal de sua identidade, isso numa área dominada por um DNA empiricista. E só quem se formou em meados do século XX consegue aquilatar o quanto isso era inusitado.

Milton Santos atinge a notoriedade no Brasil com o prêmio Vautrin Lud (1994) - tratado como uma espécie de Nobel da área, algo que foi descoberto pela imprensa paulista, Estadão em primeiro lugar. Nesse momento,  acontecem outros inusitados. Descobre-se que um geógrafo pode falar sobre mundialização, pode ser crítico e... teórico, e escritor. Que ele podia ser uma referência intelectual apesar da área mais ou menos invisível de onde ele falava. E descobre-se um acadêmico que consegue estabelecer “uma química rara”, com um estilo comunicativo que obtém audiência inclusive junto a ordem cultural geral. Portanto, mais que uma situação de interdisciplinaridade, Milton Santos protagonizou situações incomuns de relações interculturais. Sua colaboração na imprensa exemplifica isso. Nessa com constância seus argumentos teóricos empregados na renovação da geografia apareciam, por vezes aplicados, mas por vezes em formato abstrato.  

Sua notabilidade coincidiu com sua maturidade intelectual, com um momento em que ele aprofundava a dimensão teórica de sua obra (cuja expressão principal foi o livro A Natureza do Espaço), e foi discutindo-a que ele conseguiu grande audiência fora do seu âmbito de origem, fora da geografia. O que não deixa de surpreender, visto que o discurso teórico não é de muito apelo.  

Essa capacidade de transitar e de se comunicar é uma das dimensões mais atraentes do perfil de Milton Santos. Sem dúvida, isso favoreceu a recepção de sua obra fora do âmbito da geografia.  A documentação que seu arquivo reúne pode melhor esclarecer esse aspecto e iluminar vários outros do perfil do grande geógrafo.



Jaime Oliva é professor e pesquisador do Instituto de Estudos Brasileiros – IEB, da Universidade de São Paulo, na área temática de Geografia. 


sexta-feira, 10 de agosto de 2012

CIRCUITO SUPERIOR E INFERIOR: SINÔNIMOS PARA A ECONOMIA FORMAL E INFORMAL?

Por Silvana Cristina da Silva

A teoria dos dois circuitos da economia urbana foi criada por Milton Santos no final da década de 1960[1] para explicar a urbanização dos países periféricos. Alguns equívocos são comuns no uso dessa teoria, dos quais destacamos o uso de circuito superior e inferior como sinônimos de atividades formais e informais, respectivamente.

Proposta por Milton Santos, a teoria dos dois circuitos da economia urbana busca explicar como as cidades dos países periféricos como o Brasil funcionam a partir de dois subsistemas urbanos: o subsistema superior – composto pelas grandes empresas, bancos, atividades ligadas ao ramo da alta tecnologia – e o subsistema inferior – composto pelas atividades de pequena dimensão, com o uso de mão de obra intensiva, que se cria e se recria com pouco capital. A população da cidade, independente de sua classe de renda, possui necessidades permanentes. Em função da existência de trabalho perene e bem pago de um lado, surge o circuito superior; por outro, a existência de trabalho com baixa remuneração e intermitente, demanda a criação de formas de sobrevivência por grande parte da população. Então, surge o circuito inferior. Os dois subsistemas urbanos são formas de produzir, distribuir, comercializar e consumir que geram materialidades distintas, visíveis na paisagem urbana. No entanto, esses dois circuitos se relacionam dialeticamente a partir da complementaridade, subordinação e concorrência. As cidades expressam esses dois circuitos a partir dos lugares opacos e dos lugares luminosos, que são polaridades, mas não dualismos.

A teoria dos dois circuitos foi recentemente retomada e tem apresentando muitos estudos pertinentes e esclarecedores[2] para explicar o uso do território brasileiro na atualidade.

Entretanto, tem sido muito usual em alguns trabalhos o uso de circuito superior como sinônimo de atividade formal e circuito inferior como sinônimo de atividade informal. Denotando aplicações apressadas da teoria dos dois circuitos.

Essa teoria parte de outros princípios de método e visa interpretar a economia política da cidade segundo a magnitude dos capitais, o emprego de tecnologia e o nível organizacional nas atividades produtivas, buscando evidenciar os nexos estruturais entre pobreza e riqueza.

A interpretação das atividades urbanas, opondo um setor moderno e outro arcaico, vem sendo desenvolvida em várias áreas do conhecimento desde os anos de 1950, sobretudo opondo racionalidade, que seria o atributo central das atividades modernas e irracionalidade, que não incorporaria princípios racionais de produção. A partir de uma outra perspectiva teórica, a geográfica, uma das grandes contribuições de Milton Santos foi a insistência na ideia de que o circuito inferior não é irracional e nem ineficiente, porque encontramos racionalidade nessa forma de produzir e distribuir. Racionalidade essa que é capaz de gerar trabalho para muitos e com pouco capital[3]. O circuito inferior, onde há fabricação, comércio e serviços não-modernos, não pode ser reduzido, como se faz atualmente, a uma questão tributária, ou seja, simplesmente classificá-las de acordo com a obediência às normas do Estado.

A questão que se coloca sobre o formal e informal é que, em grande medida, essa dualidade não explica um processo mais profundo sobre o funcionamento da vida nos territórios periféricos, mais precisamente da vida urbana. A formação de nossas cidades está pautada na dependência de tecnologia. pela pobreza gerada por essa dependência e pelos processos de modernização, que acirram a pobreza no período atual. Logo, compreender a existência do comércio popular e das mais diferentes atividades que surgem na cidade para a sobrevivência exige que se pense além da regulação do Estado. Inclusive, as incessantes tentativas do Estado em combater os “informais” evidencia o significado do Estado, para que ele serve e a quem ele serve.

A teoria dos dois circuitos da economia urbana surge no sentido de explicar o funcionamento da cidade a partir da relação entre os grupos sociais privilegiados e os menos abastados dentro da sociedade de classes, sendo que tais grupos criam formas urbanas que revelam o profundo imbricamento entre esses grupos. Falar dos imigrantes bolivianos na cidade de São Paulo é também falar das grandes empresas do comércio varejista do vestuário como C&A, Zara, Pernambucanas, Marisa, entre outras. Não é possível afirmar que essas empresas sejam totalmente formais. O circuito de produção da C&A, Zara, Pernambucas e Marisa[4] passa pelo uso de mão de obra imigrante precarizada e não formalizada. O funcionamento do circuito espacial de produção do vestuário sofreu reorganização na década de 1990 e a principal inovação das grandes empresas do ramo foi o uso da subcontratação de oficinas de costura de forma sistemática. A maioria dessas oficinas apresenta problemas em sua formalização.  Desta forma, a economia formal e informal se mistura e essa categorização perde o sentido. Além disso, a divisão da economia em formal e informal, do ponto de vista geográfico, não explica a relação entre a cidade rica e abastada e a cidade pobre.

Os dois circuitos formam o subsistema urbano, sendo um equívoco a análise da economia urbana por apenas um desses circuitos, pois eles funcionam de forma complementar, concorrente e o circuito inferior subordina-se ao circuito moderno das grandes empresas porque esse último controla a variáveis-chave do período. A base da distinção entre esses dois subsistemas não é o elemento formalidade ou informalidade e sim o modo de organização e o uso de capital e tecnologia.

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[1] Há vários artigos de Milton Santos publicados nas décadas de 1960 e 1970 sobre o tema. No entanto, é no livro o “Espaço Dividido: os dois circuitos da economia urbana”, que a teoria está sistematizada. Obra publicada primeiramente em francês: SANTOS, Milton. L’espace partagé. Les deux circuits de l’esconomie urbaine dês pays sous-développés. Paris, M-Th Génin. Librairies Techniques, 1975. A primeira edição em português é de 1979.
[2] Especialmente realizados pela Profa. Dra. María Laura Silveira.
[3]Entrevista com a Professora María Laura realizada em 02 de novembro de 2007. Revista Discente Expressões Geográficas. Florianópolis – SC, Nº04, p. 01-15, maio/2008. Disponível em < http://www.geograficas.cfh.ufsc.br/arquivo/ed04/entrevista.pdf> Acesso em 28 de julho de 2011.
[4] Informações da Superintendência do Trabalho do Estado de São Paulo. Veja reportagens no site da agência de notícias Repórter Brasil: http://www.reporterbrasil.org.br/.

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Silvana Cristina da Silva doutora em geografia pela Universidade Estadual Paulista – UNICAMP. Atualmente atua como professora-tutora (FUNDUNESP/UNESP de Presidente Prudente) do curso de especialização em Geografia da Rede de Formação de Professores do estado de São Paulo (REDEFOR).

O MAPA DO RIO GRANDE DO NORTE E A MÉTRICA

Por Fernanda Padovesi Fonseca e
Eduardo Dutenkefer
25/07/12


A cartografia empregada pela Geografia clássica era fundamentalmente sustentada num espaço cartográfico rígido. Espaço geométrico euclidiano, concebido para representar a natureza (o espaço físico), mas quase sempre inadequado para a representação do espaço social (ou do espaço como dimensão do social) onde as métricas euclidianas nem sempre significam algo importante. O obstáculo é que a geometria euclidiana origina-se num universo mental difícil de contornar, pois está naturalizado. 
A renovação da Geografia aprofunda suas discussões e elaborações sobre o espaço e sua função no todo social. Introduz-se a concepção de espaço relativo, de inspiração leibniziana, que rompe com a ideia unívoca de espaço absoluto e de sua representação euclidiana (o espaço cartográfico tradicional) (LÉVY; LUSSAULT, 2003, p. 325-333). A cartografia tem um papel chave a cumprir, que é o de flexibilizar suas representações (e a linguagem) de modo a apreender fenômenos que essas novas elaborações vão observar. A concepção sobre o mapa como uma representação gráfica constituída por seu fundo (escala, projeção e métrica) acrescido da linguagem propriamente dita que relaciona os objetos geográficos sobre esse fundo (com base na semiologia gráfica de Bertin), abre uma perspectiva produtiva para a representação do espaço. Por exemplo: a possibilidade da escolha da métrica num mapa que não seja a métrica euclidiana, liberta a representação e abre alternativas para a representação da complexidade do espaço. Quais as métricas que podem ser utilizadas na avaliação das dinâmicas espaciais e quais as possibilidades de representação que elevem o mapa a uma função de polo consistente de discurso? Métricas que apreendam o espaço segundo distância-tempo, distância-custo, distância-segregação “sociológica” são possibilidades a explorar entre muitas outras a serem desenvolvidas.
Esse espírito estará presente nas representações cartográficas do projeto O meio geográfico atual do Rio Grande do Norte: novas materialidades, novas dinâmicas[1]. Serão redobrados os cuidados com os recursos de linguagens (também muito naturalizados, assim como o fundo euclidiano), buscando outras possibilidades de representação também na modelização gráfica (a coremática de Roger Brunet)[2], (BRUNET, 1987) e abrindo espaços para discussão de representações em fundos de mapa não-euclidianos, tais como as anamorfoses ou transformações cartográficas de posição (CAUVIN; ESCOBAR; SERRADJ, 2007, 2008). Ainda é possível a representação de relações no espaço geográfico sem um fundo de mapa, conforme os exemplos de representações onde a localização dos objetos, por sua natureza, é independente da informação cartográfica da superfície[3], tal como em certas redes geográficas. 
Outra questão fundamental a ser observada na elaboração e análise de mapas será a sua linguagem propriamente dita. Segundo Serge Bonin (1997), a Semiologia Gráfica constitui-se numa linguagem, pois as representações gráficas são sistemas de signos que possibilitam construções comunicativas de relações de diversidade, de ordem ou de proporcionalidade existente entre os dados quantitativos ou qualitativos. Nesse domínio encontram-se a elaboração de mapas e a produção dos gráficos e das redes (organogramas, dendogramas). A gráfica enquanto representação é a estruturação e a própria construção das imagens, que se baseiam numa gramática sustentada pelas leis da percepção visual e da percepção universal, que é o que define a Semiologia Gráfica. A linguagem visual está ligada a um sistema atemporal e espacial, diferente da linguagem verbal ligada a um sistema temporal e linear. O resultado é a visão imediata e total de uma imagem no nível global, construída segundo as regras dessa gramática, portanto, de compreensão imediata:
As construções gráficas elaboradas segundo os parâmetros da Semiologia Gráfica trazem informação e reflexão. Desta forma, os textos escritos sobre um tema específico representado em um mapa deveriam ser escritos após a confecção do mapa e não antes. (BONIN, 1997, p. 4, tradução nossa)
Dessa forma justifica-se a produção de mapas pois, como imagens, revelam relações não apresentadas por outros tipos de linguagem, a partir do momento que trabalham com uma linguagem atemporal e espacial. Logo estamos diante de uma forma que possui analogia com o espaço geográfico, o que pode ser um potencial para a cartografia, ela própria, ser um campo de desenvolvimento do pensamento geográfico.
Uma proposta de um fundo de mapa para o Rio Grande do Norte é feita num primeiro momento pela simplificação dos contornos do estado e dos municípios. Tal simplificação vem de encontro à necessidade de revelar a informação sem o “peso” de limites que poderiam comprometer a visualização do fenômeno cartografado. Podemos evocar aqui a fala de Robert Ferras, companheiro de Roger Brunet e Hervé Théry no dicionário Les Mots de la Géographie: “Cansei dos mapas com mal de Parkinson”. Esse procedimento é necessário e foi realizado com o aplicativo “MapShaper”[4] . Após a simplificação são mapeados os dados da densidade da população municipal em 2010 (IBGE, Censo 2010). É tomado o cuidado para o uso de uma variável visual da imagem (valor) para ordenação da densidade demográfica e formação da imagem da espacialização do fenômeno. O que predomina visualmente nesse primeiro mapa em fundo euclidiano são os tons claros, das menores densidades demográficas. O que é respondido visualmente é que a maioria dos municípios está em classes das densidades demográficas menores. Agora, a questão da predominância de um fenômeno populacional, que diz respeito portanto aos contingentes populacionais, só é revelada por meio do fundo em anamorfose, cujos tamanhos no fundo de mapa expressam a população absoluta e não a dimensão territorial dos municípios. No cartograma em anamorfose o predomínio é dos tons escuros, indicando que a maior parte da população vive em municípios com maior densidade demográfica. O que era de se esperar, mas que não é revelado pelo mapa em fundo euclidiano.
A grade da anamorfose revela os dois polos populacionais – Natal e sua região metropolitana e Mossoró. Mas vale ressaltar que qualquer fenômeno representado no fundo euclidiano no modo de implantação zonal (os chamados mapas coropléticos) vai aparecer mais em Mossoró que em Natal. E num mapa, o que se vê, é o que conta.

Anamorfose: Densidade de População do Rio Grande do Norte.

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[1] Programa da CAPES PROCAD-Novas Fronteiras, em vigência desde março de 2010, que tem a Universidade Federal do Rio Grande do Norte como Proponente, sob a coordenação do Prof. Aldo Aloísio Dantas da Silva, e a Universidade de São Paulo e a Universidade Estadual de Campinas como instituições associadas, sob a coordenação, respectivamente, da Profª Mónica Arroyo e do Prof. Márcio Cataia.

[2] A concepção de espaço que sustenta a coremática não é compatível com a visão leibniziana de espaço, no entanto, as ideias da modelização gráfica se não forem vistas como expressão de “leis do espaço” podem ajudar a alimentar um repertório cartográfico para produção de mapas.
[3] A ver no artigo de Patrick Poncet “Le fond, c´est inutile”, na publicação La carte, enjeu contemporain.
[4] Aplicativo on line que por meio de 3 diferentes métodos, generaliza fundos de mapa digitais que estejam em formato shapefileDisponível em: <http://mapshaper.org/>. Acesso: 16/09/2011.
[MapShaper is a free online editor for Polygon and Polyline Shapefiles. It has a Flash interface that runs in an ordinary web browser  - The MapShaper project was conceived in 2005 by Matthew Bloch |http://maps.grammata.com/ - New York Times graphics editor| and Mark A. Harrower |Associate Professor of Geography, UW-Madison| |http://www.geography.wisc.edu/~harrower/| at the University of Wisconsin, Madison Geography Department - USA].  Detalhes do aplicativo no “paper” disponível em: http://maps.grammata.com/autocarto2006_paper.pdf

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Fernanda Padovesi Fonseca é professora do departamento de geografia da USP.
Eduardo Dutenkefer é geógrafo e mestre em geografia.



Bibliografia
BONIN, Serge. Le développement de la graphique de 1967 a 1997. In : Colloque 30 ans de semiologie graphique,  novembro de 1997. Disponível em: http://cybergeo.revues.org/490 . Acesso em: 01/07/2012.
BRUNET, Roger. La carte mode d’emploi. Paris, Fayard/Reclus, 1987. 269 p.
CAUVIN, Colette ; ESCOBAR, Francisco ; SERRADJ, Aziz. Cartographie thématique 2 : des transformations incontournables. Paris: Lavoisier/Hermes, 2007. 269 p.
CAUVIN, Colette ; ESCOBAR, Francisco ; SERRADJ, Aziz. Cartographie thématique 4 : des transformations renouvelés. Paris: Lavoisier/Hermes, 2008. 198 p.
LÉVY, Jacques; LUSSAULT, Michel. Espace. In: LÉVY, Jacques; LUSSAULT, Michel (Org.). Dictionnaire de la Géographie et de l’espace des sociétes. Paris: Belin, 2003. p. 325-333.
PONCET, Patrick. Le fond, c´est inutile. In : LÉVY, Jacques ; PONCET, Patrick ; TRICOIRE, Emmanuelle. La carte, enjeu contemporain. Paris, Dossier nº 8036, Documentation photographique, La Documentation Française, 2003.

ABORDAGEM GEOGRÁFICA DA LOGÍSTICA: UMA PROPOSTA

Por Ricardo Castillo
20/07/12


É de conhecimento geral que o termo logística tem sua origem nas operações militares, designando, nesse sentido, as estratégias de armazenamento e transporte para o abastecimento de tropas (alimentos, água, material médico, munição, diversos tipos de equipamentos), no momento e no lugar certos, pressupondo o planejamento e a coordenação das ações.

A convergência entre as características da logística em seu sentido original e os pressupostos do atual paradigma produtivo fez com que o termo fosse adotado em seu sentido prático (pelas grandes empresas) e teórico (pelas escolas de administração) como designativo da racionalidade de fluxos materiais que envolvem as cadeias produtivas desde a segunda metade do século XX.

A partir dos anos 1970, a reestruturação dos processos produtivo e comercial (nova lógica de localização das atividades econômicas, desintegração vertical das grandes empresas, terceirização de funções industriais e de serviços, just in time / just in place) criou as condições e a demanda para a implementação de estratégias de racionalização de fluxos materiais que cresciam exponencialmente em todas as escalas geográficas, entronizando a logística (empresarial) como expressão dessas estratégias.

A prática do gerenciamento das cadeias de suprimento (supply chain management - SCM) foi prontamente associada aos chamados "fluxos logísticos" (materiais, financeiros e informacionais), como síntese de estratégias e operações necessárias para a plena integração das cadeias produtivas. A figura 1 procura representar essa integração.


A racionalização dos fluxos de insumos, matérias-primas e produtos intermediários (cadeia ou logística de suprimentos), bem como dos produtos para o consumo final (cadeia ou logística de distribuição) passou a exigir estratégias que alcançam a escala dos mercados internacionais. Essas estratégias econômico-territoriais (produto certo, na quantidade, hora e lugar certos ao menor custo possível), antes consideradas custos inevitáveis, passaram a ser fator de competitividade e a ser expressas pela ideia de logística que, assim, passou por uma renovação conceitual.

De maneira geral, as inúmeras propostas de definição de logística entendem o termo como o conjunto de processos, procedimentos, ações e estratégias, objetivando organizar ou otimizar o movimento de produtos dentro das cadeias de suprimento e distribuição, desde o fornecimento de insumos até o consumo final, incluindo os processos reversos de reciclagem de materiais e de serviços pós-venda.

Por trás dessas definições está o fato de que a logística não se restringe ao transporte e armazenamento, mas abrange outras atividades importantes, vinculadas, principalmente, ao controle dos fluxos e à manipulação dos produtos.

De acordo com Novaes (2001), no conjunto de atividades de competência da logística, destacam-se:
      Transporte: uso dos diversos modais, isolada ou combinadamente; just in time; rastreamento e monitoramento de veículos;
  •  Armazenagem: convencional ou fundamentada no conceito de gerenciamento de estoques, com apoio das tecnologias da informação;
  • Manipulação de produtos: embalagem, identificação, composição de kits etc.;
  • Operações industriais: montagem final, testes de qualidade;
  • Operações comerciais e burocráticas: recebimento e tratamento de pedidos, pagamentos, importação e exportação, assessoria aduaneira, serviço de atendimento ao consumidor;
  • Consultoria: engenharia e administração logística, desenvolvimento de projetos e soluções logísticas.


Esse conjunto de atribuições tornou a logística um verdadeiro setor da economia, de maneira que a terceirização de serviços logísticos é uma tendência que vem consolidando diversas categorias de agentes, desde o pequeno prestador de serviços mais simples (em geral de transportes), até grandes operadores com competência para atuar em todas as áreas descritas acima, tais como as empresas Ryder, TNT, DHL, Penske, Danzas, Federal Express, entre outras.

Do ponto de vista geográfico, cumpre reconhecer que a logística reúne três categorias de atributos: tecnologias infraestruturais (modais de transporte e seus terminais, sistemas de telecomunicações, armazéns, Estações Aduaneiras do Interior etc.), sistemas normativos e regulatórios (concessões de serviços públicos a empresas privadas, regimes fiscais, leis locais de trânsito, pedágios, regulações locais para carga e descarga, restrições para circulação de veículos de grande porte em determinadas áreas de grandes cidades etc.) e competências estratégicas e operacionais (conhecimento especializado sobre as variáveis infraestruturais e normativo-regulatórias), na forma de prestação de serviços. Esses atributos envolvem particularmente o Estado (em suas diversas escalas de atuação) e os operadores logísticos, reunindo objetos e ações capazes de ampliar a fluidez potencial (SANTOS & SILVEIRA, 2001) e a mobilidade espacial sobretudo das empresas do circuito superior da economia (SANTOS, 2004). Segundo Xavier (2009, p. 104),
a logística corresponde a um subsistema de objetos e ações exclusivamente dedicado à circulação material, coordenado pelo correlato fluxo de informações, capaz de ampliar a produtividade dos lugares e regiões para determinadas empresas, permitindo-lhes uma maior competitividade em função de ganhos de fluidez em suas operações.

Nessa abordagem, a competitividade deixa de ser apenas um atributo das empresas ou de atividades econômicas e passa também a se expressar em frações do espaço, através de intervenções materiais e densidades normativas. A logística passa então a fazer parte integrante das condições de competitividade de um lugar, uma região ou um território.
Em suma, a logística envolve estratégias competitivas das empresas, é um elemento da competitividade espacial, uma política territorial dos Estados, um setor de atividade econômica e, também, um discurso que inclui termos como gargalos, apagões, custo-país e sustentabilidade. Enfim, a logística implica em um conhecimento detalhado sobre a enorme quantidade de variáveis materiais e imateriais que caracteriza o lugar, a região e o território nacional, com o objetivo de racionalizar o seu uso ou neles intervir de forma seletiva para alcançar competitividade através da circulação.

         Figura 1. Cadeia de suprimentos e cadeia de distribuição


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Ricardo Castillo é professor da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)


Bibliografia
NOVAES, A. C. Logística e gerenciamento da cadeia de distribuição: estratégia, operação e avaliação. Rio de Janeiro, Campus. 2001
SANTOS, M. O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana nos países subdesenvolvidos. São Paulo: Edusp, 2004
SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Record, (1979) 2001
XAVIER, M. A. M. Os elos entre os dois circuitos da economia urbana brasileira no atual período : os atacadistas distribuidores e seu papel intermediador. Tese (Doutorado em Geografia), Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas. Campinas,SP.: [s.n.], 2009