quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

BENNO WERLEN E O GLOBAL UNDERSTANDING



Por Raphael Curioso
 
No último dia 12 de novembro, no anfiteatro de geografia da USP, o geógrafo alemão Benno Werlen, professor da Universidade de Jena, na Alemanha, concedeu uma rápida palestra. Nela, o autor apresentou a sua famosa teoria da ação, desenvolvida no livro “Society, Action and Space” de 1993 (sem tradução para o português), bem como mostrou o movimento IYGU – International Year of Global Understanding, iniciativa realizada pelo IGU para eleger o ano de 2016 como o ano internacional de compreensão global.

O ponto principal de sua proposta teórica é tornar a geografia uma ciência preocupada com a construção de um conhecimento a partir dos agentes sociais, e não a partir do espaço, que seria, na opinião do geógrafo, um ranço materialista que limita o escopo de entendimento de nossa disciplina. Seria, portanto, uma proposta radical, no sentido de que indica a mudança do núcleo duro da disciplina, de seu objeto e de suas intencionalidades.

Seguindo a premissa de que o período de globalização impõe uma virada espacial e cultural para o mundo, Werlen acredita que a geografia se mostraria mais relevante se absorvesse para si uma análoga revolução, trazendo para si a sociedade e a atuação prática como premissas disciplinares.

A partir do que o autor acredita criticamente ser uma obsessão espacial, é tecida uma consideração a respeito dos objetos não terem significado por si. Os agentes sociais, sim, que são responsáveis por esta significação. Por isso, é proposta a integração do espaço e da sociedade sem cair no materialismo observado no tradicionalismo da geografia e sem cometer uma “amnésia espacial”, comum nas ciências sociais. Ambos os movimentos seriam reducionistas e insuficientes. Para que esta integração ocorra, então, o autor propõe que o espaço seja encarado como um atributo da ação, mais um de seus elementos, e não um receptáculo a ação social. Encarando desta forma, compreenderíamos que não existe uma geografia objetiva, mas sim cheia de subjetividades. Seria a transição de um espaço material para um espaço conceitual.

A geografia seria, portanto, uma ciência que estuda algumas formas de práticas. O autor, neste sentido, dá uma particular preocupação com a mudança total dos significados que a revolução digital traz ao mundo, o que nos obrigaria, enquanto geógrafos, a adotar novas formas de imaginação geográfica. Ao por a ação social no centro da preocupação da geografia, este profissional estaria apto também a encarar o corpo humano como interface entre a natureza e a sociedade.

Ao trazer a subjetividade para o centro das preocupações traríamos algumas dialéticas que seriam as principais interfaces de preocupação dos geógrafos. A primeira interface seria a relação entre lógicas locais e globais (onde opor-se-iam também: sociedade x comunidade, ausência x presença, constituição x construção).  Uma segunda interface seria a preocupação com a articulação entre as práticas científicas e práticas cotidianas, e por fim, uma terceira onde poderíamos preocupar-nos com os conflitos e relações entre as ciências naturais e as ciências sociais. Vale lembrar que o ponto de partida de tais preocupações é um só: pôr, no centro de prioridades do geógrafo, o corpo humano.

Nesta iniciativa teórica, afloram iniciativas políticas, materializadas através do IGYU: questionar-se sobre os problemas globais a partir do indivíduo: Como as ações e necessidades cotidianas do indivíduo se aglomeram e impactam o mundo em sua totalidade? Comer, beber, sobreviver; Mover-se, fixar-se, pertencer-se; Morar, trabalhar, divertir-se. Ações cotidianas teriam rebatimentos para o mundo inteiro. O segredo para minimizar estes atos seria através da adoção, como filosofia individual, da máxima das novas revoluções culturais de cunho globalizado: “Aja localmente, pense globalmente”.

Poderíamos questionar a sua principal proposta teórica: até que ponto o espaço é uma mera construção subjetiva do individuo? Neste sentido, dá-nos a sensação de certa impotência que a materialidade tem em condicionar ações. Parece-nos que a configuração territorial tem um papel ativo na constituição de ações globais em um país e consequentemente nos lugares (sob a forma da formação socioespacial); no sentido inverso, ou seja, na escala do cotidiano e dos lugares, a materialidade tem uma força ainda mais explícita. Ainda que não de forma absoluta, uma escola é diferente de uma prisão, um hospital é diferente de um esgotamento sanitário, uma auto-estrada é diferente de uma ciclovia. Ainda que a intencionalidade humana, seja dos atos cotidianos, seja da ação racional e planejada de agentes políticos ou econômicos, tenha um papel transformador na configuração da materialidade do espaço, os objetos com quem convivemos guardam em si uma história particular, um prático-inerte tatuado em si que não podemos ignorar.

E esta observação ganharia mais força se ainda anotássemos a seguinte consideração: A ação é um atributo variável. Nem todos agem com a mesma autonomia ou consciência. Estes, autônomos de ação, estes sim na crista da revolução informacional não questionada por Benno Werlen, são donos do tempo rápido, que ilude os olhos em direção a uma sensação de imaterialidade. Para o restante (e não são poucos), quanto mais lentos, mais “materiais” são seus atos e suas ações, ainda que sejam pressionados a importar incessantemente novos valores “globais” – na verdade não são globais, mas sim vetores de lugares “rápidos” para lugares “lentos”, de pessoas com “mais do mundo” para pessoas com “menos do mundo”. E quanto mais lentos, mais aprisionados pelos objetos. E talvez o mais cruel, irônico e sarcástico desta realidade é que estes objetos, em muitos casos, são imputados com um prático-inerte repleto de ideologias, comandos e ordens “globais”.

A importação de uma “forma de ser” parece-nos um processo cada vez mais violento e o espaço (se for encarado em sua plenitude, como um objeto híbrido central de nossa disciplina) é o principal porto dessas racionalidades mundializadas.

Neste sentido, a máxima “aja localmente, pense globalmente” pode ser uma moeda com lados bastante distintos. Como método, tal frase mostra-se uma respeitável premissa: é importante que conheçamos os motores de nosso mundo para que possamos compreender as possibilidades, limitações e intencionalidades que influenciam nossos atos cotidianos e ações. A totalidade hoje é empírica, nos é possível identificar agentes e lugares repletos de possibilidades de ação, e não podemos nos ver livre desta importante constatação.

Contudo, do ponto de vista ideológico, mora um perigo: Agir localmente, pensar globalmente? O que isso significa? Por quem eu pensaria? De quem eu importaria valores?

Concordamos com Benno Werlen quando poderíamos colocar o corpo humano (e um pouco mais, os lugares) como ponto central de nossas preocupações. Precisamos da filosofia sobre o mundo para termos uma estratégia certa de método, mas do ponto de vista ideológico, seria diferente: “Aja localmente, pense localmente”. Sempre.

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Raphael Curioso é mestrando no Programa de Pós Graduação em Geografia da UFRN.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A necessidade da circulação e a sujeição da produção familiar nos circuitos espaciais de produção

Por Dalyson Morais e Celso Locatel

A globalização da economia que incorporou mais intensamente os espaços dos países subdesenvolvidos, a partir da década de 1970, provocou uma reestruturação produtiva e uma redefinição da agropecuária brasileira, no que tange às áreas ocupadas e uso do solo, segmentos produtivos, técnicas e relações de produção e inserção no mercado. A introdução nos espaços dos países subdesenvolvidos de técnica, ciência e informação concomitantemente com o avanço das comunicações e dos transportes, produziram uma especialização produtiva nos lugares intensificando as trocas e as relações entre regiões, não necessariamente contiguas. 

Essa especialização dos lugares contribuiu para a segmentação das instâncias produtivas, produção-distribuição-troca-consumo. Essa fragmentação, ou melhor, esse alargamento da área produtiva, explicada pelo distanciamento entre a arena de produção, ou seja, a área produtiva propriamente dita e os lugares de destino do produto, tornou a circulação um imperativo para a acumulação capitalista. Esse novo segmento da produção, novo devido a sua atual importância no processo produtivo e de consumo como um todo, colocou em posição de desvantagem aqueles agentes que desprovidos de condições de por sua produção em circulação imediata, ver seu produto desvalorizar-se.

A circulação dos principais produtos agropecuários brasileiros é controlada e monopolizada pelos grandes agentes do capital agroindustrial nacional e internacional. Porém, isso não exclui os pequenos produtores da participação de alguns dos circuitos espaciais produtivos agropecuários do Brasil, com destaque para o fumo, no Sul do país; da laranja, da batata e do tomate no estado de São Paulo; do camarão no Nordeste, da avicultura, entre outros. Entretanto, a atuação da pequena produção familiar no circuito produtivo se restringe a fase da produção propriamente dita, haja vista o seu baixo poder de movimento da produção e de influência na formação dos preços agrícolas, diante dos agentes hegemônicos.

O baixo nível de capitalização e o seu agravamento pela restrição de algumas políticas de crédito, que não chegam aos pequenos produtores por um conjunto de fatores, colocam a produção familiar em uma situação de total vulnerabilidade aos ditames do capital hegemônico.

Dessa maneira, o pequeno produtor recorre a mecanismos financeiros colocados a disposição, sobretudo, pelas agroindústrias, que em contrapartida, fecham contratos de compra direta da produção a preços abaixo do mercado. Além disso, essas empresas hegemônicas fornecem equipamentos, insumos e, consequentemente, impõem parâmetros de produção exercendo o controle técnico da produção. Isso reduz os gastos das agroindústrias e provoca o aumento do volume produzido nesses circuitos espaciais de produção, através da integração dos pequenos empreendimentos agropecuários, que na análise de alguns circuitos passam por despercebido. Essa forma de atuar das empresas transforma essas práticas em instrumentos de monopolização do território, a partir do controle exercido sobre a circulação das mercadorias agrícolas.

Além desses mecanismos de sujeição, outros são reproduzidos no território brasileiro através da relação entre agentes hegemônicos e agentes sujeitados. No caso da carcinicultura no Rio Grande do Norte, por exemplo, ocorre com grande frequência a sujeição dos pequenos produtores que possuem até no máximo 10 hectares de terras. Por não ter condições financeiras de manter o camarão no viveiro até fechar um contrato satisfatório, pois a permanência do camarão na fase de engorda requer maior gasto com probióticos, ração, energia e outros insumos. Além disso, por não disponibilizar de um sistema de armazenagem do camarão após a despesca, o pequeno produtor fica a depender do atravessador, supermercados e restaurantes que, diante dessa condição de fragilidade desses produtores, são definidores do preço pago por essa mercadoria.

Boa parte dos contratos fechados dos pequenos produtores com os seus clientes são efetuados ou no início da produção (venda antecipada), ou então, já nos últimos dias que antecedem a despesca ou, até mesmo, no momento da despesca. Isso reduz significativamente o preço do camarão, comprometendo o rendimento do pequeno produtor. Na maioria das vezes, a produção não gera nenhuma renda, colocando o pequeno produtor na condição de apenas subsistir no circuito. Por outro lado, essa produção, ao ser inserida na instância da circulação à baixos preços possibilita a ampliação do lucro das empresas hegemônicas.

Esse e outros possíveis exemplos que elucidam os mecanismos de sujeição do pequeno produtor desvendam a drenagem de grande parte da renda agropecuária para setores fora da agricultura.

Sendo assim, é necessário que as políticas públicas direcionadas ao pequeno produtor leve em consideração o imperativo da circulação no atual momento da agropecuária, dotando os pequenos produtores das condições necessárias para que eles mesmos possam inserir suas mercadorias no mercado e assim, negociar melhor o valor do seu produto. Nessas políticas deve ser considerada a baixa capacidade de estocagem e comercialização do pequeno produtor, sendo uma possível solução a descentralização das estruturas de armazenagem e comercialização nas principais regiões produtoras de produtos agropecuários, assim como vem sendo feito em São Paulo com as CEAGESPs regionais; o acesso ao crédito; e o estabelecimento do preço mínimo para o produto.

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Dalyson Morais é mestrando no Programa de Pós Graduação em Geografia da UFRN.
Celso Locatel é professor adjunto do Departamento de Geografia da UFRN.


quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A VOCAÇÃO ATLÂNTICA DO COMÉRCIO EXTERIOR POTIGUAR

Por Naira dos Santos e Edu Silvestre

A cesta de produtos exportados pelo RN diversificou-se nas últimas décadas, incluindo produtos tradicionais como açúcar, sal, algodão e castanha do caju, e outros novos como camarão, combustíveis e frutas tropicais. Entretanto, destaca-se a continuidade das características de uma “economia periférica” do tipo enclave, derivada da concentração das atividades econômicas do setor externo no segmento de commodities minerais e agroextrativistas.

Conforme Silva e Montálvan (2008), no biênio 2005-2006 cerca de 70% das vendas externas potiguares foram para os blocos União Europeia e Nafta. Nossa pesquisa indica que esses valores se mantiveram no biênio 2010-2011, com a União Europeia absorvendo 40% das vendas potiguares e o NAFTA outros 30%, indicando uma forte vinculação das exportações estaduais com os mercados mais ricos do Atlântico Norte.

Nessa dinâmica atlântica se insere ainda a África, apesar da grande oscilação entre 2010 (6,5% das vendas potiguares) e 2011 (2,35%), e o Mercosul com, respectivamente, 9,26% e 6,93% das exportações potiguares no mesmo período. Ressalta-se que o Mercosul, especialmente a Argentina, vem se recuperando quando comparado com os percentuais de 2006, quando representou apenas 3,28% das vendas potiguares.


Essa concentração das exportações do RN nos mercados atlânticos é tão significativa que mesmo a China, importante mercado de destino das exportações brasileiras, absorveu modestos 0,59% e 2,71% das exportações potiguares no biênio 2010-2011.


Em suma, mapeando-se os mercados de destino do comércio exterior potiguar observa-se uma forte concentração geográfica em torno das vantagens de localização do Rio Grande do Norte em relação aos mercados atlânticos. Entretanto, esses fluxos comerciais se concentram basicamente na direção das economias ricas do Atlântico Norte, com uma participação secundária do Mercosul, e quase desprezível em relação aos mercados africanos (este menos importantes mesmo que os mercados asiáticos). 

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Naiara dos Santos é aluna da graduação do Departamento de Geografia da UFRN.
Edu Silvestre é professor do Departamento de Geografia da UFRN.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

A COPA DO MUNDO DE 2014 EM NATAL/RN: Considerações sobre o Plano de Mobilidade Urbana

Por Jane Barbosa e Jordana  Costa

Nos dias atuais a temática da mobilidade urbana tem aparecido frequentemente no discurso do Governo, bem como nos textos das políticas de planejamento por ele formuladas. Em Natal/RN a temática ganha força com a realização da Copa do Mundo de 2014, tendo em vista a sua escolha como uma das cidades-sede. Desse modo, a elaboração de um plano de mobilidade urbana voltado a garantir a circulação de pessoas e mercadorias tem se constituído como um elemento importante no planejamento do poder público local.

O Plano de Mobilidade Urbana de Natal/RN conta com a participação do Governo Federal (Ministério das Cidades) Contratos de repasse e financiamento; Caixa Econômica Federal (análise e acompanhamento); Prefeitura Municipal do Natal; Consórcio EBEI / MWH5; EIT (Empresa Industrial Técnica S/A); e prevê a construção de 4 grandes obras, a saber: Construção do aeroporto de São Gonçalo do Amarante; Reforma do terminal rodoviário; Reforma do terminal de passageiros do porto; Reestruturação de vias no entorno e que darão acesso ao complexo Arena das Dunas.

O discurso dos benefícios que a Copa do Mundo proporcionará a Natal/RN tem como principal foco o legado que as obras de mobilidade urbana deixarão para a cidade. É evidente que a população anseia por obras e políticas sociais e de infraestrutura. Porém, é necessário refletir, até que ponto tais legados não serão uma forma de acentuar as desigualdades socioespaciais.

Com vistas a garantir a realização dessas obras o Programa ProCopa Arenas (BNDES) aprovou um total de R$396,5 milhões para a construção do Estádio Arena das Dunas que corresponde a 75% do valor da obra. No âmbito do Programa BNDES ProCopa Turismo, voltado à ampliação e modernização do parque hoteleiro nacional, aprovou-se ainda o valor de R$ 10 milhões para a implantação de uma unidade do Hotel Ibis, bandeira da rede Accor, que será erguido no bairro de Lagoa Nova, próximo à Arena das Dunas. O financiamento do BNDES corresponde a 56% do investimento total.

É importante destacar que aliada à ação pública há um conjunto empresas de capital nacional e internacional, à exemplo da construção do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante.  As empresas Infravix (Engevix Engenharia S/A) e a Corporación América ganharam através de consórcio o direito de construir, manter e explorar o aeroporto, por meio da apresentação de uma proposta de R$ 170 milhões. A Engevix atua na elaboração de estudos, projetos, integração e gerenciamento na área de energia, indústria e infraestrutura desde 1965. Já a Corporación América é uma holding de capital argentino, tendo iniciado suas atividades na indústria têxtil e posteriormente expandiu para os setores de comunicação, aeroportos, infraestrutura, energia, agroindústria e serviços.

Em se tratando da Reforma do Terminal de Passageiros do Porto de Natal/RN, a empresa Constremac Construções LTDA, criada em 1986 para atuar no setor de obras de engenharia foi contratada através de processo licitatório pela Companhia de Docas do Rio Grande do Norte (CODERN). O contrato firmado é de R$ 49.321.019,00.

Já no que se refere as obras rodoviárias, elas serão executadas pelo Consórcio EBEI/MHW Brasil e pela Empresa Industrial e Técnica S/A (EIT), tendo como fonte de recursos Governo Federal (Financiamento da Caixa Econômica Federal), Governo Estadual e Governo Municipal.

Nesse processo também tem destaque as Parcerias Público Privadas (PPP) – caso do Projeto Arena das Dunas (construção do estádio). A parceria é com a Construtora OAS LTDA, empresa brasileira fundada em 1975 com forte atuação na construção de infraestruturas no território nacional com ênfase em obras de canais, extensão de túneis e rodovias. O custo estimado total da parceria é de R$ 400.000.000,00. Ressalte-se ainda, o importante papel de financiador que o BNDES tem na realização desta obra através do Programa BNDES ProCopa Arenas aprovando um total de R$396,5 milhões para a construção do Estádio Arena das Dunas, correspondente a 75% do valor da obra.

Desse modo é possível perceber que a aplicação do dinheiro público direcionado ao fortalecimento da iniciativa privada na Cidade de Natal/RN é uma realidade. Há uma forte presença de diversos agentes nacionais (empresas e governo) e internacionais, como a empresa argentina Corporación América.

Em se tratando de uma cidade que tem no turismo o carro-chefe da economia, percebe-se que as ações previstas no planejamento para a realização da Copa do Mundo 2014 parecem ter como prioridade a ligação aeroportos – rodoviária – estádio – setor hoteleiro, pois serão os principais trajetos percorridos pelos que virão assistir aos jogos. Tais ações reafirmam uma política de construção de uma “cidade ilusória”, onde a pobreza fica cada vez mais escondida e distante dos olhos dos turistas.

Nesse sentido, lança-se a questão: – A constituição de políticas formuladas para o uso do território de todos e não privilégio de alguns, não deveria permear as ações do Estado? 

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Jane Barbosa é doutoranda em Geografia Humana na FFLCH  da USP.
Jordana Costa é mestre em geografia pela UFRN.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DAS TECNOLOGIAS DE ACESSO À INTERNET NO RIO GRANDE DO NORTE

Por  Ludmila Girardi

A internet progride rumo a um profundo enraizamento na vida das sociedades. O uso global da internet em práticas e realizações de grupos, instituições e indivíduos têm se consolidado na medida em que o acesso tende a um ideal de universalização. Considerando a distribuição regional e estadual, ocorreram mudanças na estrutura e na distribuição do acesso à internet no Brasil entre os anos 2000 e 2010 como indicam as taxas de crescimento anual dos acessos e distribuição das tecnologias de acesso (ANATEL, 2011a). Em 2010, apenas 26% (15,4 milhões) do total de domicílios brasileiros (58,6 milhões) possuíam acesso fixo à internet, numa estrutura que reproduz as históricas desigualdades regionais do Brasil.

As assimetrias dos acessos à internet no território nacional são evidentes nos dados (ANATEL, 2011a), que apontam grande quantidade de acessos por domicílios na região Sudeste (9,6 milhões), em especial o Estado de São Paulo que sozinho possui mais de 6 milhões de domicílios atendidos, e, no outro extremo, a escassez de acessos na região Norte (333 mil), em que o Amapá, Estado com menor número de acessos do país, que não chega a quatro mil domicílio com internet no total. A Região Sul possui 2,8 milhões de domicílios atendidos com internet banda larga fixa e o Centro-Oeste por volta de 1,2 milhões, similar à região Nordeste, que tem 1,4 milhões de domicílios atendidos, mas esta região possui três vezes mais domicílios do que a região central brasileira. Na região Nordeste, a Bahia (412 mil), o Ceará (275 mil) e o Estado do Pernambuco (255 mil) se destacam na quantidade de acessos, mas os últimos dois, Ceará e Pernambuco são bem menos populosos.

O Rio Grande do Norte possui quase 86 mil domicílios com acessos à internet e, entre os municípios potiguares, a cidade do Natal, capital do estado, é aquela com maior número de conexões (270.881), seguido de Mossoró (86.629), Parnamirim (74.867) e São Gonçalo do Amarante (28.490). É possível afirmar que somente estes 4 municípios têm mais do que 10% de acessos à internet por domicílio, sendo que Natal é o único município que chega a ter mais de 20%, com densidade de 28,5%. Em contrapartida, 38 municípios não chegam a possuir nem 1% de acesso à internet, ao passo que três deles, Francisco Dantas, Venha-Ver e Caiçara do Norte não possuíam nenhum acesso ao fim de 2010.

Diante desta assimetria de domicílios atendidos com internet, em nível nacional, regional e local, nos propomos a realizar uma análise da distribuição da internet no Rio Grande do Norte a partir dos dados coletados da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL, 2011b) que apontam a origem (localização da sede) das prestadoras de serviços de acesso à internet no território potiguar e os tipos de tecnologias de acesso que essas empresas fornecem aos municípios do Estado. Estes dados são indicadores de exploração e fruição de Serviços de Comunicação Multimídia (SCM)[1] por empresas prestadoras de serviços de telecomunicações autorizadas pela Anatel a atuar, no regime privado, nos municípios brasileiros. Os dados são disponibilizados online pelo Sistema de Coleta de Informações (SICI), que é alimentado pelas próprias prestadoras. Os dados coletados foram organizados em planilhas com referência a variável espacial contida nos dados, ou seja, em quais municípios do Rio Grande do Norte atuam quais prestadoras e quais tecnologias de acesso elas oferecem, tendo como objetivo desta sistematização a produção cartográfica, por meio do software livre “Philcarto”, considerando métodos de mapeamento temático (ACHELA e THÉRY, 2008).

Para a construção dos mapas da figura 1, optou-se em espacializar a distribuição das tecnologias de acesso pelas respectivas prestadoras de serviços de internet que atendem o Rio Grande do Norte, as quais foram classificadas e agrupadas segundo a localização das suas sedes (conforme trabalho anterior publicado nesta coluna). A variável visual de separação escolhida foi a cor e, como não havia disponível nos dados coletados a quantidade de acessos por tecnologia em cada município, mas somente o total de acessos por tecnologia em todo o Estado, optamos em utilizar a variável visual tamanho para representar graficamente a proporção de cada uma, já que observamos que a tecnologia pode ser bem distribuída mas possuir poucos acessos, como é o caso do Satélite.

As tecnologias de acesso à internet podem ser definidas como o conjunto de equipamentos que permitem a ligação adequada dos usuários à rede principal (backbone), de modo a obter acesso a um conjunto de serviços com adequada qualidade de serviço (NUNES, 2005, p. 2). Há atualmente uma diversidade de tecnologias utilizadas no Brasil, cuja classificação adotada pela Anatel se refere a dezesseis tipos: ATM, xDSL, Cable Modem, Ethernet, HFC, FR, FWA, MMDS, Spread Spectrum, Wimax, Satélite, Fibra Óptica, FTTH, DTH, PLC e Híbrido. Dos quinze tipos de tecnologias de acesso presentes no Brasil, sete são utilizadas no Rio Grande do Norte (xDSL, Cable Modem, FWA, Spread Spectrum, Satélite, FTTH e Híbrido), sendo a mais difundida a tecnologia xDSL, seguida da Cable Modem, que são também as que mais geram acesso à internet no território nacional.

Conforme observamos nos mapas, a tecnologia xDSL está espalhada por todo o território potiguar, enquanto que a tecnologia Cable Modem possui muitos acessos, mas baixa penetração na UF, uma vez que apenas os municípios de Natal e Parnamirim possuem este tipo de tecnologia de acesso à internet. A xDSL, que representa praticamente 60% dos acessos à internet no Rio Grande do Norte, é oferecida massivamente pelas prestadoras com sede no Rio de Janeiro (Grupo Oi) e, em menor medida, por aquelas com sede no Distrito Federal (Embratel). Observamos no mapa que a Embratel é a prestadora que oferece mais variados tipos de tecnologias no Estado, só não fornece acesso por meio Híbrido e Cable Modem. As prestadoras com sede em São Paulo também oferecem serviços variados, sendo notável a oferta de acesso à internet por FTTH, tipo de tecnologia que utiliza backbone de fibra óptica, proporcionando um acesso eficiente em banda larga. De todo modo, esta tecnologia é muito capilarizada pelas prestadoras do Rio de Janeiro, que utilizam as redes de telefonia para disponibilizar velocidade maior de internet banda larga. O acesso via Satélite, notadamente pelo seu modo de transmissão, possui alta capilarização no território, mas parece pouco aproveitado, na medida em que realiza poucos acessos no Estado.

As prestadoras locais e regionais oferecem acessos basicamente por Espalhamento Espectral, com inexpressivas ofertas de serviços por Satélite, Híbrido e FTTH. A tecnologia Espalhamento Espectral, cujo meio de transmissão é por enlace via rádio, é capilarizada no interior do Estado, notadamente nas microrregiões de Mossoró e Seridó, além da presença na microrregião da capital do estado. Há a exceção da tecnologia Cable Modem, que é oferecida por apenas uma prestadora com sede em Natal, a empresa CaboTelecom, mas que concentra sua oferta de serviços na própria Natal e na vizinha Parnamirim, onde está localizado o Aeroporto Internacional Augusto Severo. Não é apenas a pouca variedade de tecnologias que se nota nos mapas das prestadoras locais e regionais, mas também baixa capilarização dos serviços nos municípios potiguares, se comparado às ofertas das prestadoras com sede nos centros de gestão do território nacional.

Este estudo identificou uma distribuição desigual de acessos à internet tanto no Rio Grande do Norte,  que se assemelha às tradicionais desigualdades nacionais, uma vez que as tecnologias de acesso estão concentradas nos centros econômicos do Estado e pouco difundidas nas periferias, notadamente da microrregião do litoral nordeste, bem como, por exemplo, no Médio Oeste e no Seridó Ocidental. Os mapas ilustram a concentração das redes e das tecnologias pelas prestadoras com atuação nacional (RJ, DF, SP), enquanto que as prestadoras locais atuam expressivamente com uma tecnologia que, dependendo da frequência, não necessita de autorização da Anatel para sua implantação. Quer dizer, esses centros e essas periferias são reforçadas pela própria rede de comunicação, que reafirma as configurações territoriais anteriores, mas também cria novas, aprofundando e modificando dinâmicas socioespaciais.


                                                 Figura 01
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Ludmila Girardi é Mestranda em Geografia Humana pela FFLCH-USP.



[1] A Anatel define Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) como o conjunto de serviços fixos de telecomunicações de interesse coletivo, prestado em âmbito nacional e internacional no regime privado, que possibilita a oferta de capacidade de transmissão, emissão e recepção de informações multimídia (dados, voz e imagem), utilizando quaisquer meios, a assinantes dentro de uma área de prestação de serviço. 

BIBLIOGRAFIA


ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações). Dados informativos da Banda Larga Fixa. Informações e Periodicidade dos indicadores, 2011a. Disponível em: http://www.anatel.gov.br/Portal/verificaDocumentos/documento.asp?numeroPublicacao=257088&assuntoPublicacao=Dados%20informativos%20-%20Banda%20Larga&caminhoRel=null&filtro=1&documentoPath=257088.pdf. Acesso em 03/09/2011.

ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações). Relatório de Autorizadas Presentes nos Municípios. Sistema de Coleta de Informações (SICI), 2011b. Disponível em: http://sistemas.anatel.gov.br/sici/. Acesso em 03 de setembro de 2011.

ARCHELA, ROSELY S.; THÉRY, Hervé. Orientação metodológica para construção e leitura de mapas temáticos. Confins Revues, nº 3, 2008. Disponível em: http://confins.revues.org/3483?&id=3483#tocto1n1]. Acesso em 25 setembro de 2010.
NUNES, M. S. Redes Digitais com Integração de Serviços. Lisboa: Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa, 2002.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O PROCESSO DA TERRITORIALIZAÇÃO DO SUS

Por Pablo Ruyz Aranha

A territorialização é uma forma de regionalização inframunicipal e atualmente é considerada como a mais importante estratégia operacional do Sistema Único de Saúde (SUS), efetivada através da Saúde da Família.

Seu processo é oriundo da elaboração teórico-metodológica sobre os Distritos Sanitários que se configurou como uma proposta particular brasileira decorrente da formulação da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) sobre os Sistemas Locais de Saúde (SILOS)[1].

 O relatado produzido por Eugênio Vilaça Mendes (1993a) na introdução do livro organizado e intitulado – Distrito Sanitário: o processo social de mudança das práticas sanitárias do Sistema Único de Saúde mostra que a representação brasileira da OPAS desenvolveu inicialmente, entre os anos de 1987 e 1988, através de seu Programa de Desenvolvimento de Serviços de Saúde, uma estratégia de difusão da idéia dos SILOS no Brasil, fomentada a partir de constantes atividades (reuniões, seminários e distribuição de material bibliográfico) em círculos acadêmicos e serviços de saúde, além de visitações a dezenas de municípios brasileiros (MENDES, 1993a).

Em seguida, a OPAS elaborou e financiou um projeto, no segundo semestre de 1988, denominado “Implantação de SILOS nos Estados” que foi experimentado em sete secretarias estaduais de saúde (MENDES, 1993a), dentre as quais se destacaram as secretarias dos estados da Bahia e de São Paulo pelos avanços significativamente obtidos.

A partir dessas experiências, verificou-se a necessidade de um desenvolvimento teórico e metodológico sobre a concepção de SILOS adequada ao Brasil. Neste sentido, foram promovidos seminários que articulou centenas de técnicos para a discussão de temas variados, como: Território, Cidadania e Saúde. O objetivo desses seminários foi fundamentalmente “[...] de se iniciar o processo de construção de uma teoria e de uma metodologia, referidas à cena brasileira, no campo dos Sistemas Locais de Saúde” (MENDES, 1993a, p.12).

Daí surgiu uma proposta teórico-metodológica sobre a concepção de SILOS adequada ao Brasil, que se deu a partir de contribuições de diversos campos científicos. Dentre essas concepções, se idealizou “[...] a visão de território-processo da nova geografia, especialmente, de Milton Santos” (MENDES, 1993a, p.12).

Essa “visão de território-processo” foi considerada como um dos “elementos teórico-conceituais que fundamentaram [...] o processo de distritalização” (MENDES, 1993b, p.160). Porém, o encaminhamento metodológico adotado, consequente dessa visão, foi que “um território-processo-base do distrito sanitário, deverá ser esquadrinhado de modo a configurar uma determinada realidade de saúde, sempre em movimento” (MENDES, 1993c, p.166).

Esse esquadrinhamento[2] do “território-processo-base”, que até hoje caracteriza o método operacional no nível local, é justamente onde surge a maioria dos problemas enfrentados atualmente pela Estratégia Saúde da Família (ESF), pois considera os lugares numa perspectiva geométrica ao invés de considerá-los em sua dimensão mais ampla, numa perspectiva profunda do cotidiano das pessoas nos lugares onde elas vivem, uma visão inspirada coerentemente com os princípios da Geografia Nova, como a concepção escolhida pela metodologia.   
  
Atualmente, a base estruturante da Estratégia Saúde da Família do SUS segue essa mesma lógica de esquadrinhamento, diferindo apenas, por exemplo, o Território-Área[3] que hoje corresponde à Área de Abrangência da Unidade de Saúde da Família.

Essa Área ou Território-Área, que refere à primeira subdivisão do Território-Distrito[4], é que deveria ser delimitado e consequentemente estudado pela Geografia Humana[5], segundo a referida metodologia. Contudo, o que se constata, é que a Geografia durante esse processo foi anunciada, mas não enunciada. Tanto que a própria utilização da noção de território nesse processo de construção metodológica da terriorialização foi feita sem maiores critérios científicos disciplinares, o que evidencia a ausência ou a escassez de geógrafos na construção desse processo.
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Pablo Ruyz Aranha é Bacharel em Geografia (UFRN), Especialista em Gestão Ambiental Urbana (UFRN), Mestre em Geografia na área de Dinâmica e Reestruturação do Território pelo Programa de Pós Graduação em Geografia (UFRN).


[1] A ideia dos SILOS tinha como objetivo, segundo Mendes (1993a, p.11), “[...] buscar modelos de intervenção sobre a realidade local, através da mudança das práticas sanitárias”.
[2] Metodologicamente o esquadrinhamento propôs que subdivide-se o território do Distrito Sanitário em 4 territórios: Território-Distrito, Território-Área, Território-Microárea e Território-Moradia. Além disso, também propôs que “cada um desses territórios estruturam-se por lógica própria, tem objeto diferenciado e sustenta-se em disciplinas distintas” (MENDES, 1993b, p.167).


[3] O Território-Área para Mendes (1993b, p.168) “significa a área de abrangência de uma unidade ambulatorial de saúde e delimita-se em função do fluxo e contrafluxo de trabalhadores de saúde e da população num determinado território”.
[4] O objeto do Território-Área e do Território-Distrito são similares, ambos apresentam características administrativo-assistencial e a disciplina que subsidia sua delimitação é o planejamento urbano (MENDES, 1993b).
[5] Segundo Mendes (1993b, p.168), “a disciplina que, fundamentalmente suporta a delimitação do Território-Área é a geografia humana”


BIBLIOGRAFIA


MENDES, Eugênio Vilaça. Introdução. In:______ (Org.). Distrito sanitário: o processo social de mudança das práticas sanitárias do Sistema Único de Saúde. São Paulo - Rio de Janeiro: HICITEC-ABRASCO, 1993. p. 11-17.

______. et. al. Distritos sanitários: conceitos-chave. In:______ (Org.). Distrito sanitário: o processo social de mudança das práticas sanitárias do Sistema Único de Saúde. São Paulo - Rio de Janeiro: HICITEC-ABRASCO, 1993. p. 94-159.






















quarta-feira, 3 de outubro de 2012

ELEIÇÕES 2012: DESAFIOS À GESTÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE EM NATAL/RN

Por Luciana Feitosa


No dia 7 de outubro de 2012 a população brasileira escolherá os seus representantes para os cargos de Vereador e Prefeito nos 5.566 municípios brasileiros. Em Natal, o posto máximo da gestão municipal é disputado por seis candidatos de diferentes partidos: Roberto Lopes (PCB), Carlos Eduardo (PDT), Rogério Marinho (PSDB), Hermano Morais (PMDB), Robério Paulino (PSOL) e Fernando Mineiro (PT).

As divergências propositivas dos candidatos parecem sumir quando o assunto é a reestruturação e a capacidade resolutiva do Sistema Único de Saúde. Em entrevista concedida à série “Propostas para Natal” do jornal Tribuna do Norte, que foi veiculada no dia 9 de setembro de 2012 e abordou o tema saúde, todos foram unânimes em apontar soluções que priorizem o fortalecimento da atenção básica e a gestão eminentemente pública da rede de serviços do SUS no território municipal. (confira a entrevista completa clicando aqui).

Dos seis candidatos que concorrem à prefeitura de Natal, todos assinalam a reestruturação da rede de Atenção Básica como ponto de partida para a resolução dos problemas da saúde municipal. De acordo com dados do Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde (DAB/MS), entre janeiro de 2009 (início do mandato da atual prefeita Micarla de Sousa) e agosto de 2012 (último consolidado de informações disponibilizadas pelo site do DAB), a cobertura populacional da Estratégia Saúde da Família no município de Natal caiu de 43,68% para 26,38%.

Os números revelam uma desassistência na rede que tem a capacidade de resolver sozinha 80% dos problemas de saúde da população, o que a torna área prioritária de gestão em saúde.

Para Roberto Lopes (PCB), as demandas da Atenção Básica serão solucionadas com a criação de novos postos de saúde e fornecimento de medicamentos para as unidades. Carlos Eduardo (PDT) pretende ampliar a cobertura populacional da Estratégia Saúde da Família e reequipar as unidades de saúde existentes.  Rogério Marinho (PSDB), por sua vez, entende que o gargalo da saúde em Natal está na falta de regulação eficiente das demandas que saem da Atenção Básica para a Média Complexidade e Alta Complexidade, o que causa uma sobrecarga na rede especializada municipal. Já Hermano Morais (PMDB), aposta nas políticas preventivas como forma de melhoria da gestão do SUS. O candidato Robério Paulino (PSOL) propõe o reequipamento das unidades de saúde e a motivação emocional e salarial dos funcionários como medidas a serem tomadas para a reestruturação dos serviços de saúde do SUS em Natal. Por fim, Fernando Mineiro (PT) aposta na expansão da Estratégia Saúde da Família nas áreas prioritárias da capital (sobretudo as de baixo poder aquisitivo) e na criação em cada região da cidade de Policlínicas que respondam pela demanda especializada dos procedimentos oriundos da Atenção Básica.

Apesar da boa intencionalidade das propostas, o que chama a atenção no depoimento dos candidatos é a falta de um raciocínio que leve em conta o componente territorial como elemento principal para a administração do Sistema Único de Saúde em Natal. O componente territorial diz respeito à oferta integrada de bens e serviços essenciais independente de onde a população resida e à gestão adequada dessa rede de serviços. Somente assim todos os lugares do território poderão ser planejados para as pessoas a partir de suas reais necessidades.

No ano de 2010, um estudo realizado pelo Grupo de Pesquisa Territorium constatou que a falta de cobertura total da Estratégia Saúde da Família nas regiões administrativas Norte e Oeste de Natal (as mais populosas e de menor poder aquisitivo), associada à má distribuição territorial das demais unidades de Atenção Básica espalhadas pela capital, gerava um fluxo de deslocamento dos usuários no sentido Norte/Sul e Oeste/Sul, uma vez que das 16 unidades que ainda não possuíam equipes da Saúde da Família e respondiam pela demanda dos 467.385 moradores de Natal fora da cobertura do programa, 7 estavam localizadas somente na Região Administrativa Sul.

Nas regiões Norte e Oeste restavam apenas 4 e 1 unidades, respectivamente, para responder pela demanda de uma população de 219.712 pessoas sem acesso às equipes de Saúde da Família, conforme pode-se visualizar no mapa abaixo. Para o mês de agosto de 2012, a estimativa de população coberta disponibilizada no site do DAB foi de apenas 213.900 pessoas, o que aumenta a sobrecarga de demanda na rede de atenção básica tradicional.

Esses números mostram que a gestão eficiente do Sistema único de Saúde em Natal depende, primeiramente, do reconhecimento de onde se localizam os serviços e de onde estão as pessoas que dele necessitam, o que não foi percebido na fala de nenhum dos candidatos. É fundamental que um Prefeito considere o elemento territorial como balizador de discursos, propostas e práticas de planejamento municipal.


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Luciana Feitosa é mestranda no Programa de Pós Graduação em Geografia da UFRN.