quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

BENNO WERLEN E O GLOBAL UNDERSTANDING



Por Raphael Curioso
 
No último dia 12 de novembro, no anfiteatro de geografia da USP, o geógrafo alemão Benno Werlen, professor da Universidade de Jena, na Alemanha, concedeu uma rápida palestra. Nela, o autor apresentou a sua famosa teoria da ação, desenvolvida no livro “Society, Action and Space” de 1993 (sem tradução para o português), bem como mostrou o movimento IYGU – International Year of Global Understanding, iniciativa realizada pelo IGU para eleger o ano de 2016 como o ano internacional de compreensão global.

O ponto principal de sua proposta teórica é tornar a geografia uma ciência preocupada com a construção de um conhecimento a partir dos agentes sociais, e não a partir do espaço, que seria, na opinião do geógrafo, um ranço materialista que limita o escopo de entendimento de nossa disciplina. Seria, portanto, uma proposta radical, no sentido de que indica a mudança do núcleo duro da disciplina, de seu objeto e de suas intencionalidades.

Seguindo a premissa de que o período de globalização impõe uma virada espacial e cultural para o mundo, Werlen acredita que a geografia se mostraria mais relevante se absorvesse para si uma análoga revolução, trazendo para si a sociedade e a atuação prática como premissas disciplinares.

A partir do que o autor acredita criticamente ser uma obsessão espacial, é tecida uma consideração a respeito dos objetos não terem significado por si. Os agentes sociais, sim, que são responsáveis por esta significação. Por isso, é proposta a integração do espaço e da sociedade sem cair no materialismo observado no tradicionalismo da geografia e sem cometer uma “amnésia espacial”, comum nas ciências sociais. Ambos os movimentos seriam reducionistas e insuficientes. Para que esta integração ocorra, então, o autor propõe que o espaço seja encarado como um atributo da ação, mais um de seus elementos, e não um receptáculo a ação social. Encarando desta forma, compreenderíamos que não existe uma geografia objetiva, mas sim cheia de subjetividades. Seria a transição de um espaço material para um espaço conceitual.

A geografia seria, portanto, uma ciência que estuda algumas formas de práticas. O autor, neste sentido, dá uma particular preocupação com a mudança total dos significados que a revolução digital traz ao mundo, o que nos obrigaria, enquanto geógrafos, a adotar novas formas de imaginação geográfica. Ao por a ação social no centro da preocupação da geografia, este profissional estaria apto também a encarar o corpo humano como interface entre a natureza e a sociedade.

Ao trazer a subjetividade para o centro das preocupações traríamos algumas dialéticas que seriam as principais interfaces de preocupação dos geógrafos. A primeira interface seria a relação entre lógicas locais e globais (onde opor-se-iam também: sociedade x comunidade, ausência x presença, constituição x construção).  Uma segunda interface seria a preocupação com a articulação entre as práticas científicas e práticas cotidianas, e por fim, uma terceira onde poderíamos preocupar-nos com os conflitos e relações entre as ciências naturais e as ciências sociais. Vale lembrar que o ponto de partida de tais preocupações é um só: pôr, no centro de prioridades do geógrafo, o corpo humano.

Nesta iniciativa teórica, afloram iniciativas políticas, materializadas através do IGYU: questionar-se sobre os problemas globais a partir do indivíduo: Como as ações e necessidades cotidianas do indivíduo se aglomeram e impactam o mundo em sua totalidade? Comer, beber, sobreviver; Mover-se, fixar-se, pertencer-se; Morar, trabalhar, divertir-se. Ações cotidianas teriam rebatimentos para o mundo inteiro. O segredo para minimizar estes atos seria através da adoção, como filosofia individual, da máxima das novas revoluções culturais de cunho globalizado: “Aja localmente, pense globalmente”.

Poderíamos questionar a sua principal proposta teórica: até que ponto o espaço é uma mera construção subjetiva do individuo? Neste sentido, dá-nos a sensação de certa impotência que a materialidade tem em condicionar ações. Parece-nos que a configuração territorial tem um papel ativo na constituição de ações globais em um país e consequentemente nos lugares (sob a forma da formação socioespacial); no sentido inverso, ou seja, na escala do cotidiano e dos lugares, a materialidade tem uma força ainda mais explícita. Ainda que não de forma absoluta, uma escola é diferente de uma prisão, um hospital é diferente de um esgotamento sanitário, uma auto-estrada é diferente de uma ciclovia. Ainda que a intencionalidade humana, seja dos atos cotidianos, seja da ação racional e planejada de agentes políticos ou econômicos, tenha um papel transformador na configuração da materialidade do espaço, os objetos com quem convivemos guardam em si uma história particular, um prático-inerte tatuado em si que não podemos ignorar.

E esta observação ganharia mais força se ainda anotássemos a seguinte consideração: A ação é um atributo variável. Nem todos agem com a mesma autonomia ou consciência. Estes, autônomos de ação, estes sim na crista da revolução informacional não questionada por Benno Werlen, são donos do tempo rápido, que ilude os olhos em direção a uma sensação de imaterialidade. Para o restante (e não são poucos), quanto mais lentos, mais “materiais” são seus atos e suas ações, ainda que sejam pressionados a importar incessantemente novos valores “globais” – na verdade não são globais, mas sim vetores de lugares “rápidos” para lugares “lentos”, de pessoas com “mais do mundo” para pessoas com “menos do mundo”. E quanto mais lentos, mais aprisionados pelos objetos. E talvez o mais cruel, irônico e sarcástico desta realidade é que estes objetos, em muitos casos, são imputados com um prático-inerte repleto de ideologias, comandos e ordens “globais”.

A importação de uma “forma de ser” parece-nos um processo cada vez mais violento e o espaço (se for encarado em sua plenitude, como um objeto híbrido central de nossa disciplina) é o principal porto dessas racionalidades mundializadas.

Neste sentido, a máxima “aja localmente, pense globalmente” pode ser uma moeda com lados bastante distintos. Como método, tal frase mostra-se uma respeitável premissa: é importante que conheçamos os motores de nosso mundo para que possamos compreender as possibilidades, limitações e intencionalidades que influenciam nossos atos cotidianos e ações. A totalidade hoje é empírica, nos é possível identificar agentes e lugares repletos de possibilidades de ação, e não podemos nos ver livre desta importante constatação.

Contudo, do ponto de vista ideológico, mora um perigo: Agir localmente, pensar globalmente? O que isso significa? Por quem eu pensaria? De quem eu importaria valores?

Concordamos com Benno Werlen quando poderíamos colocar o corpo humano (e um pouco mais, os lugares) como ponto central de nossas preocupações. Precisamos da filosofia sobre o mundo para termos uma estratégia certa de método, mas do ponto de vista ideológico, seria diferente: “Aja localmente, pense localmente”. Sempre.

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Raphael Curioso é mestrando no Programa de Pós Graduação em Geografia da UFRN.