quarta-feira, 12 de setembro de 2012

CIÊNCIA E INFORMAÇÃO: A VOCAÇÃO IDEOLÓGICA DOS OBJETOS GEOGRÁFICOS



Por Raphael Curioso

Em função de mudanças cientificas e tecnológicas, características do período atual, fica reconhecido a nova significação que a variável informação possui e sua importância na produção de sentido dado aos objetos geográficos e aos lugares. A informação obtém este novo status por adquirir, no período de hoje, novas características. Entre elas, inclui-se a fundamental participação da informação precisa na produção de novos objetos, ideias, crenças e significados. A ciência é utilizada de forma planejada para a fabricação de uma classe de objetos geográficos direcionados por tipos específicos de intencionalidades. Não é a toa que Mészaros (2004) afirma que o desenvolvimento autônomo da ciência (como se ela fosse uma prática social neutra) tornou-se o lugar-comum de nossa época. Geograficamente, inclusive, este termo se aplicaria perfeitamente: nos dias de hoje, lugares tem em comum um sistema de objetos geográficos modernos, dotados de ciência e informação. A variação de densidades técnicas científicos são o lugar-comum dos  lugares.

Por este motivo, percebe-se que não se pode falar apenas de uma “teia” de objetos geográficos desprovidos de sentidos. Não podemos ter em nossa démarche filosófica a adoção de pensamento sobre um espaço isotrópico, absoluto, onde a matéria é ausente de significados e de pré-determinações. A materialidade é um campo de forças e consequentemente é condição para a ação e não por acaso: cada vez mais profundamente, os objetos geográficos em seu coletivo, a configuração territorial, é tatuada com intencionalidades ideológicas. Em outras palavras, afirmamos que os objetos geográficos repercutem ideologias precisas e desta maneira fundam o meio técnico científico.

Se é cabível atribuir, às novas características do mundo, uma relação intrínseca entre a informacionalização e a constituição de um novo meio geográfico, ou em outras palavras, a profusão de novos objetos geográficos, então podemos supor que a configuração territorial, definida por Santos (2008b) como o conjunto de todas as coisas, arranjadas em sistema e que formam o território de um país, não deve ser interpretada de forma dicotomizada com a variável informação: existe uma relação híbrida, portanto, entre informação e materialidade. A materialidade tem nela informação como seu conteúdo, e a informação tem na materialidade a sua dimensão da forma. Materialidade que já nasce como ideologia e realidade ao mesmo tempo e por isto participam ativamente da realidade social como indivíduos. A história se faz através de uma totalidade social que é híbrida de realidade e ideologia, como também afirmou Santos (2008a).

O que podemos definir, a partir destas considerações, é que a configuração territorial é a população de objetos técnicos que por sua vez trazem conteúdos ideológicos. Estas ideologias são depositadas nos objetos na medida em que estes são resultados do processo de uma ciência que não é neutra, mas sim dotada de intencionalidades precisas. Podemos reafirmar esta observação de uma forma inversa: os objetos são receptáculos de ideologias, funcionando, portanto como dispositivos repercussores das mesmas, esforçando-se para moldar o real de acordo com estes ditames.

Uma universidade, a escolha de um hospital ao invés de um projeto de saneamento, uma fábrica ou uma usina nuclear em detrimento de projetos sociais, uma rodovia mais larga em um local economicamente rico sendo mais bem visto do que um projeto urbanístico em áreas mais pobres... Estes objetos são dotados de sentido e faz-se necessário, em um estudo geográfico sobre os lugares, desvendar qual a trama de ideias e intenções que regem a tessitura da configuração territorial dali. Não obstante, faz-se necessário decodificar também qual a trama política e ideológica que permeia um sistema de ações capaz de modificar a configuração territorial.

Estas considerações nos fazem perceber que a configuração territorial é o tecido material por onde a sociedade em sua totalidade existe. Além disto, os objetos geográficos, se forem compreendidos como portadores de intencionalidades ideológicas específicas, servem como dispositivos emissores de ideologias, e de alguma maneira a totalidade das pessoas está disponível a incorporar tais ideias. Os objetos geográficos informam valores, ideias e crenças direcionadas. Não é a toa que esta situação faz com que vivamos nos dias atuais num contexto marcado por aquilo que Santos chama de Violência da Informação. Na medida em que instalam-se objetos geográficos ideologicamente definidos, cabe ao indivíduo aceitar ou não aquela informação (aquele significado, aquele comportamento). Esta situação se torna mais dramática se concordamos com a afirmação de que existe hoje a fé do consumo, que se instala através destes mesmos objetos, “aqueles que em nosso cotidiano nos cercam na rua, no lugar de trabalho, no lar e na escola, quer pela sua presença imediata, quer pela promessa ou esperança de tê-los” (SANTOS, 2007, p. 48) Este poder do consumo lubrifica, de certa forma, a recepção de ideias e valores específicos e forasteiros.

Nós até concordamos com as observações de Mészáros (2004) que a ciência pode ser isentada de culpa “pelas implicações ameaçadoras de seus produtos”, já que os mesmos são “produtos do modo socialmente dominante de produção em sua totalidade” (MÉSZAROS, 2004, p. 267) e também que os questionamentos principais que devem ser realizados devem ser na direção de perguntas que consideramos seminais: qual a sociedade que queremos? Quanta ciência desejamos? Quem deve realiza-la?, afinal a perguntação sobre a questão da técnica moderna deve ser direcionada para o que há por trás da técnica: a nossa relação com elas e delas com o próprio tipo de sociedade que desejamos.

Por outro lado, ao elaborarmos uma resposta sobre o tipo de sociedade que desejamos, não podemos excluir da resposta as situações onde estamos inseridos e a tecnoesfera que tece nosso cotidiano. E uma maneira de corresponder a esta preocupação é levar em consideração o que foi dito anteriormente: considerar a materialidade do mundo como o substrato primordial de informações ideologicamente direcionadas.



Raphael Curioso é mestrando do programa de pós-graduação em geografia da UFRN.

Bibliografia
MÉSZÁROS, István. O poder da ideologia; tradução Paulo Cezar Castanheira. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004.
SANTOS, Milton. O Espaço do Cidadão.São Paulo: Editora EDUSP, 2007.
______. Técnica, Espaço, Tempo .São Paulo: Editora EDUSP, 2008a.
______. Metamorfoses do Espaço Habitado. São Paulo: Editora EDUSP, 2008b.





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