Por Raphael
Curioso
Em função de mudanças cientificas e tecnológicas,
características do período atual, fica reconhecido a nova significação que a
variável informação possui e sua importância na produção de sentido dado aos
objetos geográficos e aos lugares. A informação obtém este novo status por
adquirir, no período de hoje, novas características. Entre elas, inclui-se a fundamental
participação da informação precisa na produção de novos objetos, ideias,
crenças e significados. A ciência é utilizada de forma planejada para a
fabricação de uma classe de objetos geográficos direcionados por tipos
específicos de intencionalidades. Não é a toa que Mészaros (2004) afirma que o
desenvolvimento autônomo da ciência (como se ela fosse uma prática social
neutra) tornou-se o lugar-comum de nossa época. Geograficamente, inclusive,
este termo se aplicaria perfeitamente: nos dias de hoje, lugares tem em comum
um sistema de objetos geográficos modernos, dotados de ciência e informação. A
variação de densidades técnicas científicos são o lugar-comum dos lugares.
Por este motivo, percebe-se que não se
pode falar apenas de uma “teia” de objetos geográficos desprovidos de sentidos.
Não podemos ter em nossa démarche filosófica a adoção de pensamento sobre um
espaço isotrópico, absoluto, onde a matéria é ausente de significados e de
pré-determinações. A materialidade é um campo de forças e consequentemente é
condição para a ação e não por acaso: cada vez mais profundamente, os objetos
geográficos em seu coletivo, a configuração territorial, é tatuada com
intencionalidades ideológicas. Em outras palavras, afirmamos que os objetos
geográficos repercutem ideologias precisas e desta maneira fundam o meio
técnico científico.
Se é cabível atribuir, às novas
características do mundo, uma relação intrínseca entre a informacionalização e
a constituição de um novo meio geográfico, ou em outras palavras, a profusão de
novos objetos geográficos, então podemos supor que a configuração territorial,
definida por Santos (2008b) como o conjunto de todas as coisas, arranjadas em
sistema e que formam o território de um país, não deve ser interpretada de
forma dicotomizada com a variável informação: existe uma relação híbrida,
portanto, entre informação e materialidade. A materialidade tem nela informação
como seu conteúdo, e a informação tem na materialidade a sua dimensão da forma.
Materialidade que já nasce como ideologia e realidade ao mesmo tempo e por isto
participam ativamente da realidade social como indivíduos. A história se faz
através de uma totalidade social que é híbrida de realidade e ideologia, como
também afirmou Santos (2008a).
O que podemos definir, a partir destas
considerações, é que a configuração territorial é a população de objetos
técnicos que por sua vez trazem conteúdos ideológicos. Estas ideologias são
depositadas nos objetos na medida em que estes são resultados do processo de
uma ciência que não é neutra, mas sim dotada de intencionalidades precisas.
Podemos reafirmar esta observação de uma forma inversa: os objetos são
receptáculos de ideologias, funcionando, portanto como dispositivos
repercussores das mesmas, esforçando-se para moldar o real de acordo com estes
ditames.
Uma universidade, a escolha de um
hospital ao invés de um projeto de saneamento, uma fábrica ou uma usina nuclear
em detrimento de projetos sociais, uma rodovia mais larga em um local
economicamente rico sendo mais bem visto do que um projeto urbanístico em áreas
mais pobres... Estes objetos são dotados de sentido e faz-se necessário, em um
estudo geográfico sobre os lugares, desvendar qual a trama de ideias e
intenções que regem a tessitura da configuração territorial dali. Não obstante,
faz-se necessário decodificar também qual a trama política e ideológica que
permeia um sistema de ações capaz de modificar a configuração territorial.
Estas considerações nos fazem perceber
que a configuração territorial é o tecido material por onde a sociedade em sua
totalidade existe. Além disto, os objetos geográficos, se forem compreendidos
como portadores de intencionalidades ideológicas específicas, servem como
dispositivos emissores de ideologias, e de alguma maneira a totalidade das
pessoas está disponível a incorporar tais ideias. Os objetos geográficos
informam valores, ideias e crenças direcionadas. Não é a toa que esta situação
faz com que vivamos nos dias atuais num contexto marcado por aquilo que Santos
chama de Violência da Informação. Na medida em que instalam-se objetos
geográficos ideologicamente definidos, cabe ao indivíduo aceitar ou não aquela
informação (aquele significado, aquele comportamento). Esta situação se torna
mais dramática se concordamos com a afirmação de que existe hoje a fé do
consumo, que se instala através destes mesmos objetos, “aqueles que em nosso
cotidiano nos cercam na rua, no lugar de trabalho, no lar e na escola, quer pela
sua presença imediata, quer pela promessa ou esperança de tê-los” (SANTOS,
2007, p. 48) Este poder do consumo lubrifica, de certa forma, a recepção de
ideias e valores específicos e forasteiros.
Nós até concordamos com as observações
de Mészáros (2004) que a ciência pode ser isentada de culpa “pelas implicações
ameaçadoras de seus produtos”, já que os mesmos são “produtos do modo
socialmente dominante de produção em sua totalidade” (MÉSZAROS, 2004, p. 267) e
também que os questionamentos principais que devem ser realizados devem ser na
direção de perguntas que consideramos seminais: qual a sociedade que queremos?
Quanta ciência desejamos? Quem deve realiza-la?, afinal a perguntação sobre a
questão da técnica moderna deve ser direcionada para o que há por trás da
técnica: a nossa relação com elas e delas com o próprio tipo de sociedade que
desejamos.
Por outro lado, ao elaborarmos uma
resposta sobre o tipo de sociedade que desejamos, não podemos excluir da
resposta as situações onde estamos inseridos e a tecnoesfera que tece nosso
cotidiano. E uma maneira de corresponder a esta preocupação é levar em
consideração o que foi dito anteriormente: considerar a materialidade do mundo
como o substrato primordial de informações ideologicamente direcionadas.
Raphael Curioso é mestrando do programa de pós-graduação em geografia da UFRN.
Bibliografia
MÉSZÁROS,
István. O poder da ideologia; tradução Paulo Cezar Castanheira. São Paulo:
Boitempo Editorial, 2004.
SANTOS, Milton. O Espaço do Cidadão.São Paulo: Editora EDUSP, 2007.
______. Técnica, Espaço, Tempo .São Paulo: Editora EDUSP, 2008a.
______. Metamorfoses do Espaço Habitado. São Paulo: Editora EDUSP,
2008b.
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