quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O MAPA E A MÉTRICA

Por Fernanda Padovesi Fonseca

Alguns elementos do fundo do mapa não são discutidos de forma suficiente. As escolhas da escala, da projeção e da métrica (medidas que formam nossa percepção do espaço) se dão, costumeiramente, de forma naturalizada. Há um automatismo impensado que termina facilitando a produção do mapa, a organização dos dados, por um lado, mas que empobrece a representação, por outro.

Sempre que há a escolha de uma métrica, por exemplo, a euclidiana, esse componente do fundo do mapa pesará fortemente na comunicação da representação. Um ótimo exemplo desse caso são as representações na escala mundial. O mapa-múndi ainda hoje apresenta muitas potencialidades, mas há também vários desafios a serem enfrentados na apresentação dos fenômenos geográficos nessa escala. Eis alguns que merecem reflexão:


  • Há um costume generalizado (quase oficial) de representações que se baseiam em métricas euclidianas, que são aquelas que apresentam as dimensões dos territórios dos países em termos de “métricas-quilômetros”. Vale ressaltar que outras formas de medir o espaço (outras métricas) geram representações também muito interessantes para se entender as lógicas geográficas. E elas não estão sendo aproveitadas. Por exemplo: o uso das “métricas-tempo” que calculam as distâncias em tempo entre os lugares são menos comuns aos nossos olhos, mas úteis para expressar relações que a métrica euclidiana oculta. Representações desse tipo são menos numerosas e raramente disponíveis no nosso mundo imagético, mas nem por isso, menos “verdadeiras” e menos úteis que as representações que utilizam o fundo de mapa euclidiano. O desafio no caso é romper com repertório fechado de imagens e diversificá-lo para vários fenômenos geográficos também ganhem expressão visual.
  • Os mapas-múndi de fundo convencional (métrica euclidiana) não têm como dar visualização a diversos países nesse recorte escalar. Em especial, quando a escala do mapa está condicionada ao tamanho de uma página de livro. Os exemplos mais famosos são Mônaco e Vaticano, mas há diversos outros países na mesma situação de “invisíveis” no mapa-múndi. Esses “invisíveis” podem chegar a 60 países!  Laurent Beauguitte (2011) em sua tese sobre a ONU fala de um “mapa como obstáculo” (p. 45). Ele explica que para representar nos mapas fenômenos relativos aos processos que se dão na ONU surgem alguns desafios. Por exemplo: o peso dos votos dos Estados Unidos e da República de San Marino são os mesmos. Como representar isso se visualmente num mapa com fundo euclidiano, a desproporção entre esses países é enorme? O mapa-múndi a seguir é a proposta da artista Catherine Reeves que Beauguitte considera como a única possível para, numa representação coroplética, que pode dar o mesmo peso visual a cada país. Nela se representa os países como quadrados de mesmo tamanho no "lugar certo", onde quase todas as relações de vizinhança de um mapa euclidiano estão respeitadas. Seria a forma adequada para apresentar fenômenos para os quais as dimensões territoriais dos países não teriam significância, como por exemplo, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). A tentativa é boa. No entanto, utilizar esse recurso produzirá um “transtorno” visual, que é a ausência geral da percepção das localizações. Não é possível dizer, num primeiro momento, onde está o Brasil ou a Alemanha. Tal inconveniente torna a representação pouco produtiva se o objetivo for localizar. Isso apesar dela se estruturar com base em uma "projeção" convencional, que coloca a Europa no centro do mapa, os países do hemisfério norte “em cima”, os do hemisfério sul “embaixo”, as Américas no canto esquerdo. Em sua defesa vale lembrar que nem todos os mapas têm que localizar territorialmente os países e os outros objetos geográficos. Existem outros mapas adequados para essa finalidade. E existem mapas melhores para realçar outros aspectos dos fenômenos geográficos, igualmente relevantes à localização.
  • Outro desafio de grande importância para a geografia contemporânea é a questão das redes (geográficas e técnicas) e dos fluxos geográficos que as percorrem. Como representar algo que não tem a expressão territorial convencional? Por exemplo: será que sempre a distância em “métrica-quilômetro” de dois lugares em um mapa, representa a mesma distância no espaço real (bem entendido, depois do cálculo da escala cartográfica)? Um exemplo mostra como pode haver engano se acharmos que sempre há coincidência entre as distâncias que vemos representadas num mapa e no espaço real: num mapa que mostra os fluxos de informações via Internet, os lugares estão de fato tão ligados entre si por conta da velocidade das transmissões que as distâncias diferentes existentes entre os países não têm relevância. Nesse caso as distâncias em quilômetros que tem expressão visual num mapa euclidiano, não têm significância alguma. 





Fonte: http://bigthink.com/ideas/21253, acesso em 29/06/2012.



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Fernanda Padovesi Fonseca é professora do departamento de geografia da USP.



Bibliografia 

BEAUGUITTE, Laurent. L’Assemblée générale de l’ONU de 1985 à nos jours : acteur et reflet du Système-Monde. Essai de géographie politique quantitative. Doutorado em Geografia, Université Paris Diderot, Sorbonne Paris Cité, 2011, 299 p. Disponível em: http://tel.archives-ouvertes.fr/docs/00/63/44/03/PDF/These_Beauguitte_2011_ONU_et_Systeme_Monde.pdf, acesso em 29/06/2012.







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