sexta-feira, 10 de agosto de 2012

ABORDAGEM GEOGRÁFICA DA LOGÍSTICA: UMA PROPOSTA

Por Ricardo Castillo
20/07/12


É de conhecimento geral que o termo logística tem sua origem nas operações militares, designando, nesse sentido, as estratégias de armazenamento e transporte para o abastecimento de tropas (alimentos, água, material médico, munição, diversos tipos de equipamentos), no momento e no lugar certos, pressupondo o planejamento e a coordenação das ações.

A convergência entre as características da logística em seu sentido original e os pressupostos do atual paradigma produtivo fez com que o termo fosse adotado em seu sentido prático (pelas grandes empresas) e teórico (pelas escolas de administração) como designativo da racionalidade de fluxos materiais que envolvem as cadeias produtivas desde a segunda metade do século XX.

A partir dos anos 1970, a reestruturação dos processos produtivo e comercial (nova lógica de localização das atividades econômicas, desintegração vertical das grandes empresas, terceirização de funções industriais e de serviços, just in time / just in place) criou as condições e a demanda para a implementação de estratégias de racionalização de fluxos materiais que cresciam exponencialmente em todas as escalas geográficas, entronizando a logística (empresarial) como expressão dessas estratégias.

A prática do gerenciamento das cadeias de suprimento (supply chain management - SCM) foi prontamente associada aos chamados "fluxos logísticos" (materiais, financeiros e informacionais), como síntese de estratégias e operações necessárias para a plena integração das cadeias produtivas. A figura 1 procura representar essa integração.


A racionalização dos fluxos de insumos, matérias-primas e produtos intermediários (cadeia ou logística de suprimentos), bem como dos produtos para o consumo final (cadeia ou logística de distribuição) passou a exigir estratégias que alcançam a escala dos mercados internacionais. Essas estratégias econômico-territoriais (produto certo, na quantidade, hora e lugar certos ao menor custo possível), antes consideradas custos inevitáveis, passaram a ser fator de competitividade e a ser expressas pela ideia de logística que, assim, passou por uma renovação conceitual.

De maneira geral, as inúmeras propostas de definição de logística entendem o termo como o conjunto de processos, procedimentos, ações e estratégias, objetivando organizar ou otimizar o movimento de produtos dentro das cadeias de suprimento e distribuição, desde o fornecimento de insumos até o consumo final, incluindo os processos reversos de reciclagem de materiais e de serviços pós-venda.

Por trás dessas definições está o fato de que a logística não se restringe ao transporte e armazenamento, mas abrange outras atividades importantes, vinculadas, principalmente, ao controle dos fluxos e à manipulação dos produtos.

De acordo com Novaes (2001), no conjunto de atividades de competência da logística, destacam-se:
      Transporte: uso dos diversos modais, isolada ou combinadamente; just in time; rastreamento e monitoramento de veículos;
  •  Armazenagem: convencional ou fundamentada no conceito de gerenciamento de estoques, com apoio das tecnologias da informação;
  • Manipulação de produtos: embalagem, identificação, composição de kits etc.;
  • Operações industriais: montagem final, testes de qualidade;
  • Operações comerciais e burocráticas: recebimento e tratamento de pedidos, pagamentos, importação e exportação, assessoria aduaneira, serviço de atendimento ao consumidor;
  • Consultoria: engenharia e administração logística, desenvolvimento de projetos e soluções logísticas.


Esse conjunto de atribuições tornou a logística um verdadeiro setor da economia, de maneira que a terceirização de serviços logísticos é uma tendência que vem consolidando diversas categorias de agentes, desde o pequeno prestador de serviços mais simples (em geral de transportes), até grandes operadores com competência para atuar em todas as áreas descritas acima, tais como as empresas Ryder, TNT, DHL, Penske, Danzas, Federal Express, entre outras.

Do ponto de vista geográfico, cumpre reconhecer que a logística reúne três categorias de atributos: tecnologias infraestruturais (modais de transporte e seus terminais, sistemas de telecomunicações, armazéns, Estações Aduaneiras do Interior etc.), sistemas normativos e regulatórios (concessões de serviços públicos a empresas privadas, regimes fiscais, leis locais de trânsito, pedágios, regulações locais para carga e descarga, restrições para circulação de veículos de grande porte em determinadas áreas de grandes cidades etc.) e competências estratégicas e operacionais (conhecimento especializado sobre as variáveis infraestruturais e normativo-regulatórias), na forma de prestação de serviços. Esses atributos envolvem particularmente o Estado (em suas diversas escalas de atuação) e os operadores logísticos, reunindo objetos e ações capazes de ampliar a fluidez potencial (SANTOS & SILVEIRA, 2001) e a mobilidade espacial sobretudo das empresas do circuito superior da economia (SANTOS, 2004). Segundo Xavier (2009, p. 104),
a logística corresponde a um subsistema de objetos e ações exclusivamente dedicado à circulação material, coordenado pelo correlato fluxo de informações, capaz de ampliar a produtividade dos lugares e regiões para determinadas empresas, permitindo-lhes uma maior competitividade em função de ganhos de fluidez em suas operações.

Nessa abordagem, a competitividade deixa de ser apenas um atributo das empresas ou de atividades econômicas e passa também a se expressar em frações do espaço, através de intervenções materiais e densidades normativas. A logística passa então a fazer parte integrante das condições de competitividade de um lugar, uma região ou um território.
Em suma, a logística envolve estratégias competitivas das empresas, é um elemento da competitividade espacial, uma política territorial dos Estados, um setor de atividade econômica e, também, um discurso que inclui termos como gargalos, apagões, custo-país e sustentabilidade. Enfim, a logística implica em um conhecimento detalhado sobre a enorme quantidade de variáveis materiais e imateriais que caracteriza o lugar, a região e o território nacional, com o objetivo de racionalizar o seu uso ou neles intervir de forma seletiva para alcançar competitividade através da circulação.

         Figura 1. Cadeia de suprimentos e cadeia de distribuição


____________________________
Ricardo Castillo é professor da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)


Bibliografia
NOVAES, A. C. Logística e gerenciamento da cadeia de distribuição: estratégia, operação e avaliação. Rio de Janeiro, Campus. 2001
SANTOS, M. O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana nos países subdesenvolvidos. São Paulo: Edusp, 2004
SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Record, (1979) 2001
XAVIER, M. A. M. Os elos entre os dois circuitos da economia urbana brasileira no atual período : os atacadistas distribuidores e seu papel intermediador. Tese (Doutorado em Geografia), Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas. Campinas,SP.: [s.n.], 2009

Nenhum comentário:

Postar um comentário